Entardecer


O cinza camuflou o sol que nasceu forte pela manhã, e por completo aniquilou o acréscimo de luz que Janeiro sempre oferece aos dias.
De intenso negro e raro branco se faz a palete de tons que uniu o céu ao mar, e não fosse a vida alimentada a memórias e certezas das cíclicas primaveras, e diria aqui que o mar nunca existiu.
Até as gaivotas vieram e estão por sobre mim, e é estranho o seu bailado ao redor de uma esguia e imponente árvore, por hoje apenas e só, um bouquet de finos e hirtos troncos abandonados à guerra com o vento que insiste em soprar forte.
E ali mesmo ao lado, um canavial há muito se rendeu, e curva-se obediente à força e ao poder de cada rajada.
Por todo o lado há gente que corre e se cruza comigo ao ritmo rápido ou lento que a vermelhos e verdes, o semáforo oferece. Do lado de cá do carro, são todos, autómatos com ou sem rumo, mas sempre sem fala.
Os entardeceres assim, de cinza, chuva lenta e persistente, são espelhos abertos ao reflexo que expõe a despudorada verdade de tudo o que somos e daquilo que a alma nos impõe.
E o silêncio, incessante, grita-nos palavras.
As palavras sem letras dessa indisfarçável e maior verdade de nós mesmos: o pensamento.
Respiro fundo.
E sorrio…

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