A Dama de Ferro e os Cavalheiros do Acrílico


Acompanhado pelas notícias veiculadas no rádio, faço-me à estrada numa manhã de sol que parece vir finalmente trazer a primavera. Por muito que o astro rei “puxe” pela música, a hora certa traz sempre as inevitáveis notícias.
Ouço Passos Coelho falar de austeridade e Sócrates de oportunidades perdidas, e não posso deixar de achar interessante como em apenas dois anos estes senhores trocaram de “fato”. Troca de fato… troca tintas.
Quase a chegar ao novo Hospital de Loures, descubro que talvez já como consequência dos cortes na prestação das funções sociais do Estado que surgirão depois do chumbo de alguns artigos inscritos na lei do orçamento para 2013, na rotunda de acesso ao hospital, o único cartaz ali presente anuncia a Servilusa e a excelência do seu desempenho nos serviços funerários. Comparando, imaginem-se a entrar num restaurante que tenha à porta um cartaz do tipo: Em caso de intoxicação alimentar não hesite e contacte...
O noticiário passa entretanto da actualidade nacional para a internacional: morreu a Dama de Ferro. Os especialistas chegam rapidamente à antena para lhe reconhecer o perfil de líder, uma das maiores e mais destacadas do Século XX, “férrea” nas suas convicções.
E entre o actual e os dois ex-primeiros ministros das minhas notícias, Margaret Thatcher ainda consegue tornar mais medíocres os seus parceiros ocasionais de noticiário.
Em Portugal, o poder é hoje o prémio de um desafio jogado na regra da ambição que há muito dispensou os escrúpulos e em que os cidadãos são as peças moldadas e arrumadas pelos “jogadores”, banais criaturas, que pelo poder alimentam a cobiça vã de astronómicas contas bancárias e a glória do mediatismo fácil e da preservação do nome em placas de acrílico colocadas nas paredes e descerradas ao som do hino nacional.  
Thatcher versus Sócrates e Passos Coelho ou a “Dama de Ferro” versus os “Cavalheiros do Acrílico”.
Mas neste jogo, embora sabendo que todos estamos sujeitos a manipulação, somos nós que legitimamos estes “líderes” e que lhes batemos as palmas na hora de tornar visíveis as placas, puxando a bandeira nacional que às vezes até dá cambalhotas.
Porque demasiadas vezes nos contentamos com muito pouco centrados que estamos na nossa “quintinha” e no interior da redoma de vidro que criámos para a nossa “importanciazinha”.
É tão fácil encontrar exemplos.
Se pretendermos entrar numa repartição, há sempre um segurança fardado e armado em “general de porta” que põe um ar carrancudo quando lhe perguntamos algo, respira fundo vinte vezes, faz-se difícil e coloca dezenas de perguntas mas acaba sempre por dizer a toda a gente: “segundo elevador à esquerda”.
As guardiãs dos carimbos que habitam os guichets também acabam sempre por selar os documentos mas depois de virarem e revirarem os papéis dezenas de vezes, de alternarem o fácies entre o espantado e o carrancudo e sempre depois de terem tentado espantar-nos com a frase: “isto não é aqui que se trata”.
Até o padre que me celebra a missa não resiste por vezes e reza em latim sabendo que das centenas de pessoas que estão na igreja, para além dele próprio, mais ninguém o pode entender. Mas sente-se importante.
E os taxistas que nos fazem dissertações sobre a arte de bem conduzir e se colocam no papel de heróis do asfalto?
Andamos demasiado entretidos com o nosso umbigo e tornamo-nos assim peças demasiado vulneráveis e fáceis de manipular neste jogo pelo poder e pela glória do acrílico que de forma despudorada nos põe aos ombros o peso da crise.
Já estão anunciados novos e difíceis episódios e nem o argumento varia.
Enquanto não olharmos para o colectivo mais do que para cada um de nós e enquanto não alimentarmos uma “férrea” cultura de exigência, jamais mataremos a mediocridade dos donos dos nomes gravados nas placas que nos furam as paredes… e a dignidade.

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