Gente maior


As pessoas, mais do que tudo, são as nossas maiores cúmplices no moldar dos dias. Em primeiro lugar pelo que são, e depois, pelo que são capazes de fazer acontecer.
E os amigos, os verdadeiros, são aqueles que impelidos pelos afectos, nos tornam o tempo mais do que perfeito, ficando para sempre sublinhados nos capítulos indissociáveis da nossa história.
Há alguns anos, inacreditavelmente muitos porque ninguém deu pelo tempo passar, são de amigos, algumas das melhores e mais requintadas memórias dos meus dias de Vila Viçosa.
Por estes dias frios de entre Janeiro e Março, era necessário, por vezes, acender a lareira enorme que existia entre as manjedouras do corredor da nossa improvisada mas eterna Escola Secundária, à Ilha – Porta dos Nós, que por este tempo é dependência do Museu dos Coches e que muito pouca gente consegue imaginar ter sido perfeita, como espaço para aprendermos e para nos divertirmos enormemente.
Os nossos impermeáveis coloridos, baptizados todos com a marca Kispo, eram de facto insuficientes perante tantas correntes de ar de um sem fim de janelas e portas inventadas para um espaço que nasceu para ser a Cocheira do Paço Ducal.
Usávamos camisolas de gola alta muito apertadas e chegadas a nós, e por cima das ditas, camisas de xadrez que ficavam a matar com as jeans compradas nas feiras ou nos mercados das quartas-feiras, no Rossio. As botas cardadas, eram invariavelmente compradas na Feira dos Santos, em Borba.
As raparigas usavam cabelos longos e armados ao estilo de parabólicas. Vistas de longe e com tanto volume, um terço do corpo era cabelo.
Por esses dias, os momentos de maior Lux eram aqueles em que nos dávamos estatuto de VIP, alindávamos as Caras e fazíamos as festas da Nova Gente, ou da Gente Nova, que para o caso éramos nós.
E as melhores festas, não tenho dúvidas, eram as de aniversário das minhas queridas amigas e manas Duarte: São, Zinha e Céu.
Fazíamos teatros cómicos com tal qualidade que os meninos dos Morangos com Açúcar, se nos vissem, coravam de vergonha e retiravam-se esmagados pelo nosso talento (Paula Dias e Clara Fonseca, o Teatro Nacional ainda hoje vive com a nostalgia da vossa ausência), cantávamos, dançávamos ao som do Simon & Garfunkel no Central Park, da Telepatia da Lara Li, das Baleias do Roberto Carlos ou então de O amor dos Heróis do Mar.
No tempo em que víamos a série Fame e O Passeio dos Alegres, não dispensávamos jamais as músicas da Sheena Easton, da Kate Bush, dos Culture Club, dos Spandau Ballet  e da Orchestral Manoeuvres in the Dark, que sob a forma de Single ou LP, se iam sucedendo no prato do gira-discos.
Quando era Carnaval, jamais nos negámos a trazer connosco uma máscara que a todos pudesse divertir.
Manuel, isso é que era imaginação. Tia Maria do Monte, não era? A saia de Nazarena assentava-te a matar!
Comíamos muito, mas todos menos que o João Paulo: rissóis de pescada, empadas de galinha com aroma de manjerona, croquetes, pastéis de bacalhau, costeletas de borrego panadas, sandes de fiambre ou de queijo, pãezinhos de leite também com fiambre e queijo, “apitos” de massa recheados com picado de carne, frango assado, bolos variados, sericá, arroz doce, bolo de aniversário, etc., e sempre na companhia de Limonada, Gasosa, Laranjada e, a grande novidade, Coca-cola.
Na cozinha, estava invariavelmente o dedo mágico da doce Eugénia, que o coração de todos nós adoptou como “Iá”.
Conversávamos muito, ríamo-nos ainda mais, e invariavelmente havia sempre uma amiga que por desgosto de amor se refugiava a um canto para com o apoio de algumas Damas de Honor verter umas poucas lágrimas terapêuticas. Quando no final da noite se cantava o Parabéns a Você, os desgostos já tinham morrido todos e por alturas da Salva de Palmas já ninguém se lembrava deles.
A casa da Rua dos Fidalgos era grande e nós éramos muitos.
E com estas três amigas, cujos aniversários marcavam o nosso calendário social de Janeiro a Março, com a saudosa D. Adélia, o Dr. Alípio, a Lurdes, o Fernando e o Rui, a casa até parecia pequena perante a grandeza de carácter, o infinito valor da honestidade, da amizade e a força da fé, inscritos no ADN de uma família de quem ser amigo, é para mim um privilégio e uma honra das muito grandes e raras.
As pessoas que nos moldam os dias e os tornam maiores e felizes.
São, parabéns pelo teu aniversário de hoje.
Não revelo a tua idade para não correr o risco de alguém um dia destes me amputar o texto quando tiver de o ler em público. Direi apenas que são muito poucos anos para os muitos e muito bons que tu e todos os teus merecem viver.

Comentários

  1. É tão bom compartilhar os momentos mais importantes da vida de uma pessoa com os amigos
    Parabéns!
    Rui Pereira

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