No tempo do TV RURAL


Levantávamo-nos da cama depois do toque do despertador a que o nosso pai nunca se esquecia de dar corda na noite anterior, abandonando os lençóis cheirosos, invariavelmente brancos, lavados pelas mães nas águas correntes dos ribeiros ou então nos tanques de cimento que tínhamos em casa, com OMO, PRESTO, SABÃO CLARIM ou JUÁ, este último com a vantagem de nos oferecer brindes que poderiam ser Réguas Mágicas ou copos de vidro.
A higiene matinal era feita com a ajuda da PASTA MEDICINAL COUTO e dos sabonetes FENO DE PORTUGAL ou LUX, antes do pequeno-almoço que tinha sempre o leite comprado na véspera na casa do primo João, que criava e cheirava a vacas, em recipientes de alumínio que nós nos encarregávamos de amassar enquanto vazios, fazendo-os bater contra os joelhos. Leite que para nós era acompanhado com TODDY, ou COLA-CAO no caso de alguém ter ido recentemente a Badajoz, e para os nossos pais, com BRASA, TOFINA ou MOKAMBO. Comíamos pão quente comprado na padaria mais próxima e que era transportado em bolsas de pano, com PLANTA, FLORA, marmelada e geleias caseiras feitas pelas mães e avós, e muito de vez em quando, TULICREME.
Íamos para a escola a pé acompanhados pelos colegas que chamávamos pelo caminho e aí aprendíamos sentados em carteiras de madeira, dois a dois, escrevendo em cadernos e sebentas, com lápis VIARCO e canetas de tinta permanente. Os professores escreviam no quadro negro com giz branco.
Todos os dias almoçávamos em casa com os nossos pais, sopa, carne ou peixe e fruta. Bebíamos essencialmente água mas às vezes havia LARANJINA C, SUMOL ou BB (Bem Boa), e em Vila Viçosa tínhamos as laranjadas, gasosas e pirolitos CALIPOLENSE, ou então, os BOTAS que eram produzidos no Redondo. De vez quando também bebíamos LA CASERA, comprada em Espanha e da qual guardávamos as garrafas de vidro com uma típica tampa de metal e borracha, para no verão conservar água fresca no frigorifico.
Sobremesa, ao almoço ou ao jantar, só havia em dias especiais, e para além dos doces caseiros de marca Alentejo, sempre tínhamos à mão os pudins com diferentes sabores da BOCA DOCE ou os pudins de caramelo da MANDARIN.
Depois do almoço, as mães lavavam a louça com SUPER POP ou SONASOL, pondo a brilhar os pratos da Fábrica de Louças de Sacavém ou os pratos PIREX, brancos ou coloridos, que também tínhamos conseguido fazer passar na fronteira do Caia.
Depois das aulas da tarde vínhamos lanchar a casa. No tempo frio voltávamos a beber leite e comíamos pão, à semelhança do pequeno-almoço. À falta de algum acompanhamento para o pão, também se improvisava e acompanhava-se o mesmo margarina ou banha, polvilhadas de açúcar. No verão substituía-se muitas vezes o leite por um refresco DAWA ou uma bebida resultante da diluição do XAROPE DE GROSELHA.
Se tínhamos alguma moeda comprávamos cromos de colecção, e havia alguns que até traziam rebuçados, ou então, alguma guloseima que poderia ser uma PASTILHA ELÁSTICA PIRATA, uma BOMBOCA ou CHOCOLATES REGINA dos quais os mais famosos eram as tabletes, as sombrinhas e o COMA COM PÃO. Estes chocolates eram muitas vezes obtidos através da sorte jogada num furo feito em cartão de onde saía uma bola colorida que indicava a natureza do prémio.
Havia rebuçados e amêndoas para vender à unidade, e era por eles, e também por uns chupas de caramelo que faziam e vendiam na Sopa dos Pobres, à Rua das Pedras, que muitas vezes trocávamos os nossos tostões.
No verão comprávamos gelados da RAJÁ que ofereciam bonecos do Carrossel Mágico, e por vezes traíamos os doces comprando pevides, tremoços, amendoins ou pacotes de batata frita PÁLA-PÁLA ou D’ORO. Recordo-me também de haver tabernas que nos vendiam avulso e às meias dúzias, gingas em pacotes de papel.
Depois dos trabalhos de casa que fazíamos sozinhos e sem a ajuda dos pais, se tínhamos algum tempo para brincar, as condições meteorológicas determinavam se íamos para a rua brincar com os amigos ou se permanecíamos em casa de volta do JOGO DA GLÓRIA, do MIKADO ou do MONOPÓLIO.
Reuníamo-nos depois em família para jantar e passar o serão.
Os nossos pais fumavam PROVISÓRIOS, DEFINITIVOS, KENTUCKY, PORTO, PARIS, RITZ, NEGRITAS ou os resistentes SG’s e PORTUGUÊS SUAVE. 
Liam-se jornais como O SÉCULO e também os que saiam pela tarde e traziam as notícias da manhã. Era o caso de A CAPITAL ou o DIÁRIO DE LISBOA. No campo das revistas lia-se a FLAMA, a PLATEIA, a MODAS E BORDADOS, a ELAS – DONAS DE CASA, e em minha casa, casa de costureira, os figurinos que traziam os moldes em papel. A BURDA, por exemplo.
Nunca nos deitávamos sem antes ouvir o Boletim Meteorológico e os Meninos Rabinos da Família Pituxa. Só em dias de festa e muito especiais ficávamos na sala até ao final da emissão da RTP, vendo a bandeira e escutando o hino nacional.
31 de Janeiro de 2013. Ao tomar um café pela manhã, escutei que vão reinventar o TV RURAL. Fez-se um click e saltaram as memórias desse tempo em que o Engenheiro Sousa Veloso nos acompanhava durante os almoços de sábado.
Que volte o TV RURAL devidamente renovado, que nunca se nos morram as memórias de um tempo em que fomos crianças felizes, mas que o mundo siga e avance, que disso muito precisamos.

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