Orgasmos dispersos


Só a ausência de uma cabal e eficaz satisfação das regulares necessidades de âmbito afectivo e sexual, no enquadramento familiar ou alternativo, e no contexto dos territórios e domicílios privados, poderá justificar essa incessante busca dos Portugueses por prazeres alternativos.
E à mão, salvo seja, estão todas as situações normais do dia-a-dia.
O Português gosta de chegar ao trabalho pela manhã e evidenciar a muito “macha” boa disposição do pós-orgasmo, na hora de tomar café com os colegas. E se o sorriso não lhe advém do tempo em que permaneceu em casa, por aborrecimento, falta de vontade, falta de companhia, dores de cabeça ou outra, só lhe resta o percurso matinal de carro para “sacar” o clímax alternativo: buzinadelas, gestos obscenos, palavrões vociferados de vidro aberto, entradas e saídas irregulares nas rotundas, ultrapassagem de traços contínuos e sinais vermelhos, desrespeito pelas regras de civilidade junto de quem com ele partilha as filas, etc. Tudo serve.
E ao estacionar na empresa não resiste a pensar de si para si:
- Ah “ganda” macho. Venha de lá esse café.
Também muito típico é o prazer alternativo do Funcionário Público, “sacado” preferencialmente em zonas de atendimento e sempre com requintes de um exibicionismo atroz. Os preliminares, feitos do lento acariciar de folhas e rato de computador ao jeito de quem olha mas não vê nada, criam todas as condições para que uma multidão se reúna e possa assistir em directo ao clímax dominador e do mais puro sadismo. Quando se ouvir um berro do tipo: “Bem, isso agora…”; o funcionário conseguiu e já está na fase de pré-bidé.
E não se pense que esta busca alternativa do prazer se fica apenas pela população civil pois os militares e as forças militarizadas dão-lhe um intensíssimo uso.
Já alguma vez se cruzaram na estrada com uma coluna militar composta por carrinhas de caixa aberta cheias de soldados?
Se sim por certo concordarão que a forma como seguram as suas armas, invariavelmente de aspecto envelhecido, só encontra paralelo nos exibicionistas que se escondem atrás das árvores dos parques das nossas cidades e que não hesitam nunca em mostrar o seu “poderio”, também muitas vezes em elevado estado de degradação, aos incautos cidadãos que se cruzam nos seus caminhos.
E os Guardas e os Polícias no momento da multa?
Sejam homens ou mulheres, pouco importa, pois avançam sempre como machos sobre a “presa”. Rondam-nos, a nós ou à viatura, emitem sons secos e estranhos enquanto exigem a nudez da nossa identidade que lhe passamos para a mão sob a forma de cartões, e atingem o clímax quando rubricam o papel da multa que depois nos entregam já ao jeito de um toalhete:
- Então? Gostaste? Agora vai “lavar-te”.
Sem escolha de género, estatuto social ou profissão, este tipo de práticas substitutas da interacção e do prazer sexual, também atingem qualquer idade.
Por exemplo, se estiverem mais de meia hora na sala de espera de um Centro de Saúde, onde a média etária habitualmente ronda os setenta anos, verificarão que 10 a 20% dos presentes aproveitou esses momentos em que dispôs de parceiros de ocasião, para partilhar as situações em que o universo parou à espera de uma sua intervenção à moda do McGyver. E as histórias que falam de lucidez e da escolha e intervenção certas no momento certo, poderão atingir o clímax ou não, pois bastas vezes as administrativas, gritando o número dos heróis, deixam-lhes na boca aquele agridoce sabor a um coito interrompido.
Mas que se registe sempre, o seu esforço.
Há ainda os políticos na sua relação com os “Mercados”, os futebolistas com os carros de alta cilindrada, as tias com as carteiras Channel…
Eu bem sei que o ditado afirma que “quem não tem cão, caça com gato”, mas que haja também essa percepção de que o felino, na maior parte dos casos, jamais terá a eficácia do canídeo.
Aplicando-se ao tema, sempre digo que os alternativos e dispersos, jamais substituirão os orgasmos verdadeiros e legítimos, no prazer em si mesmo e na protecção eficaz contra as depressões crónicas.

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