Os passeios de um Flâneur

Há domingos assim, dias em que o sol apenas se pressente na ténue luz filtrada na imensidão das nuvens muito densas, que não nos deixam ver muito para lá, no horizonte. Dias em que a chuva, arrastada e ao ritmo irregular do vento, bate sem compasso na vidraça, abafando sem piedade o chilrear dos pássaros que há dias recomeçou, indicio de primavera, numa pequena árvore aqui mesmo por debaixo da minha janela.
Há dias assim, nascidos apenas para nos devolver a nós.
Não liguei a televisão. Não estou predisposto para a selecção no menu de imagens e de sons que as centenas de canais prepararam para me oferecer.
Ouço António Zambujo, por imposição da alma.
Na voz carregada da dolência do Alentejo que nos une, e pela doçura tão latina importada dos sons de terras quentes, as palavras dos poetas levam-me sem hesitações para onde eu quero ir…
E embalado pela rima de João Monge, insisto em voltar várias vezes à “Casa Fechada”: “aquela casa fechada onde o sol tinha a morada e entrava sem bater…”
Acho que jamais deitarei ao Tejo, as chaves das casas que os sonhos construíram e reservaram para mim. Mesmo que a razão a isso obrigue, o sal da vida será sempre o compromisso com a poesia.
E nesta errância de um dia de chuva que das vistas das minhas janelas me matou o Atlântico e a Pena, vagabundo se faz o pensamento, e de repente: Paris.
Será culpa deste céu em matizes de cinza?
Há um bar no cimo do Museu de Orsay por detrás do imponente relógio da fachada, que tem porta para uma imensa varanda de onde se avista o Sena e o Louvre.
É sempre desde ali que me imagino em Paris. Voltarei sempre a este sítio para tomar um café, antes ou depois de entregar o olhar ao privilégio do impressionismo.
Procuro na minha estante e encontro: Paris – Os passeios de um Flâneur.
Edmundo White, o autor, saberá Deus porquê.
Folheio:
“Um Flâneur é um ser errante, um vagabundo, alguém que deambula pela cidade sem propósito aparente, mas que está secretamente em harmonia com a sua história.
Pela cidade, e pela vida, acrescento eu.
Com sol, ou assim, com chuva, mas sempre com a poesia aos comandos do pensamento, da alma e do querer.
E por nada mais do que apenas aquela maravilhosa história que se nos impõe que ofereçamos ao nosso destino.

Comentários

  1. Hoje é um daqueles dias, que nem se sabe o que fazer .
    RUI PEREIRA


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