Mulheres


Sempre que viajo até à mais profunda das memórias e reencontro aquele exacto momento em que posso começar a contar a minha história, revejo sempre a minha casa, cheia de mulheres. A minha mãe, costureira, desenvolvia a sua actividade no domicílio, e entre as “raparigas” aprendizes que a ajudavam, as clientes que chegavam a todas as horas para fazer as provas diante de um enorme espelho implantado na parede, e as tias e avós que chegavam sempre depois do almoço para ajudar nos alinhavos e nos chuleios, eu cresci, aprendi a falar e a sonhar, embalado por este insuspeito grupo de mulheres com largo espectro etário, pelo mimar sem limites que chegava através do doce das suas histórias, das suas cantigas, dos seus colos e dos seus olhares. Estas tantas e tão fantásticas mulheres foram as minhas mestras na arte dos afectos.
Pouco tempo antes de entrar para a Escola Primária, os meus pais inscreveram-me no Jardim Escola (assim chamávamos à Pré-Primária) que funcionava no Lar Juvenil da Santa Casa da Misericórdia de Vila Viçosa. Ainda hoje guardo os amigos desse tempo e impossível será não guardar a memória da Irmã Celeste, a mulher que me ensinou a ler e a escrever, para além de ter sido a primeira ecologista militante que eu conheci: instruiu-nos nos prazeres do campo e nas vantagens da agricultura biológica que treinávamos na nossa pequena horta.
Em 1989, quando terminei o curso de Ciências Farmacêuticas, fui estagiar durante quatro meses para a Farmácia Ronil, na Rua Rodrigo da Fonseca, em Lisboa. Em Portugal, quem sai de uma Universidade, cedo se apercebe que os cursos, demasiado teóricos, ficam muito a dever ao exercício real da profissão e por isso encontrei na Dra. Valquíria Mandeiro, Directora Técnica da Farmácia Ronil, a minha verdadeira “professora”. Pelo saber, pelo exemplo, pelo rigor, pela arte e sobretudo pelo prazer que se nos exige, saibamos “sacar” de uma actividade profissional.
Hoje é Dia Internacional da Mulher, um dia que a imbecilidade do homem ainda torna pertinente, e com as memórias destas mulheres que me marcaram enormemente a vida, celebro e brindo convosco à vossa / nossa vida e ao vosso / nosso sucesso.
Estou certo que o futuro apagará a discriminação que é prova da insegurança e da fraqueza de alguns homens, os inventores e os praticantes do “machismo”, exercício de auto-convencimento de uma superioridade bacoca e irreal.
O futuro por certo apagará essa injusta ideia de atribuição de quotas e salientará apenas as diferenças de género ao nível do que é nobre e legítimo, nessa complementaridade que é raiz de grandeza na humanidade.
Afinal de contas, e se me permitem brincar um pouco, o que seria o meu café matinal sem as vossas dissertações sobre os casacos “see through”, os tecidos “animal print”, as unhas e os sapatos “louboutin”, as unhas térmicas, as de néon e as que brilham no escuro, as unhas de gel em tom verde jade, as manequins em pose de “broken doll”, essa para mim tão ténue e sempre intrigante diferença entre madeixas e nuances, as drenagens com L-carnitina, os implantes de silicone que protegem contra os ataques das serpentes, e as carteiras e os saldos da Louis Vuitton?
Por certo que o café seria menos “doce” e os dias muito menos coloridos.
Minhas queridas amigas, e se há homens que como diz o filme, odeiam as mulheres, há também homens que sem ser por mais nada, vos podem amar apenas e só, verdadeiramente, tendo por base tudo aquilo, o muito que vocês são.
Sintam-se lisonjeadas com este amor e mantenham-se sempre assim: inteligentes, sensíveis e lindas de morrer.
Um beijo.

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