Um lapso de tempo


Sentado no grande auditório do Centro Cultural de Belém na noite da passada sexta-feira, pela inspiração de Ludovico Einaudi e pela sua interpretação ao piano juntamente com os dez músicos do seu Ensemble, para longe e perto, irrequieto, se me voou o pensamento.
A música é dos maiores e mais eficazes indutores de sonhos, um fiel fornecedor de asas…
E a música que nos é dada assim sem palavras, sem a imposição das palavras de outros, mas a música impregnada da mais perfeita harmonia dos sons, eleva-nos à condição de poetas, convocando-nos a alma a dar letra e cor à maior verdade do fluir do pensamento... e aos sonhos que nos acodem.
À minha frente, um homem passou todo o concerto debruçado sobre um bloco de folhas brancas, e pela arte dos seus traços, por certo tentou registar o seu muito particular roteiro onírico e todos os trajectos por onde o pensamento o levou à boleia da música.
Tivesse eu memória e palavras, e muito vos escreveria.
Einaudi chamou ao seu último álbum “um lapso de tempo”.
E um lapso de tempo pode ser tudo, e pode ser também a vida… esta vida.
Havia sempre a música das violas nos dias que passávamos juntos com os amigos dos Convívios Fraternos. Muitos dias e muitas noites a falar e a partilhar sonhos, elevando o pensamento à ambição e ao compromisso de um futuro de felicidade.
Com muita fé, em Deus e na vida, o Padre Zé Fernando, ainda muito antes de ser um distinto e reconhecido motard, era um dos nossos, nesse desenhar do futuro feito em conjunto, e sempre sob a inspiração da música e da energia dos nossos melhores verdes anos.
Com riso, lágrimas, de impetuosidade e de paz, mas sempre com uma intensidade que nos faz pensar perante a notícia da sua partida ontem pela tarde, de que demasiado breve foi o lapso de tempo em que esteve por aqui…
Recordo-me que as palavras mais inspiradas que ouvi ao Padre Zé Fernando eram sobre Cristo Sedutor. Acredito que a vida e a fé o fizeram “acelerar” até Ele para uma outra vida, aquela que pela fé, é a Vida.
Hoje de manhã ao saber desta noticia questionei-me a mim próprio sobre se a partida dos amigos nos envelhece…
Concluí que não. É que por cima da humana e natural saudade, emerge uma “aceleração” para que a vida, esta vida, não se nos vá e nos deixe os sonhos por cumprir. E isto é rejuvenescer.
Deu-me também a manhã de hoje, o privilégio de me ver rodeado por dezenas de colegas de profissão mas que os afectos já elevaram à sublime condição de amigos, a partilhar as palavras dos sonhos e da vida, as palavras que a memória, a alma e os afectos me vão ditando para este “Pomar”.
Um brevíssimo lapso de meia hora tornado um “bombom de tempo” pela “música” dos sorrisos, pelas cumplicidades dos sonhos e pela partilha que nos torna maiores e mais fortes.
Escurece o dia feito de um sol que apenas se intuiu e jamais brilhou, e já em casa regresso a Einaudi…
Um lapso de tempo, muito breve, a vida, os sonhos, e a urgência de os cumprir nestes dias recheados de afectos… por sobre as nuvens.

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