Páscoa


Em sexta-feira santa, parou a chuva muito pouco antes de subirmos ao castelo, ao santuário e ao altar da Padroeira, para que ao abrir de um pano negro, espreitássemos o calvário.
E pelas ruas, com a calçada ainda húmida da incessante chuva de todo o dia, ladeámos em silêncio, o Penitente, anónima figura sem rosto e alvas vestes que transporta a cruz de onde também pendem panos brancos e onde Cristo já não está; os Profetas José de Arimateia e Nicodemos, cada um transportando uma escada usada na descida de Cristo da cruz; os andores de São João Evangelista e Nossa Senhora das Dores, filho e mãe, maternidade de toda a humanidade saída das dores de ao pé da cruz; a Verónica, que da sua generosidade faz imprimir a sangue no pano branco, o rosto sofrido de Cristo; o Anjo do Senhor que transporta o cálice da paixão; Maria Madalena, de negro e pela tradição coberta de infinitos ouros, carregando a taça que recolhe o sangue de Cristo dado como herança à salvação da humanidade; e Cristo, morto e estendido no esquife, coberto pelos infinitos palmitos das nossas promessas pelas dores de toda uma vida.
O nosso silêncio na noite em que só se escutam as matracas e a banda filarmónica, que atrás do esquife do Senhor, interpreta marchas fúnebres que nos soam tristes como esta noite em que as luzes se apagaram para que só os archotes e as nossas velas nos acompanhem e nos indiquem o caminho por entre o nosso silêncio.
E ao virar da Rua de António Homem e quando nos fazemos para subir a Praça, mais do que nunca, iluminada e de portas abertas, brilha na noite o ouro da talha de São Bartolomeu, o sepulcro de onde instantes mais tarde sairá o bater seco de uma porta de madeira que se fecha atrás do Cristo sepultado.
A paixão é um doloroso mas breve instante que nos traz à Ressurreição e à Vida.
Hoje é sábado e o dia amanheceu com sol.
Há bolos fintos em cima da mesa e nos fornos estão já os assados de borrego que cheiram a louro e pimenta, o acepipe que nos perfuma a casa e que juntamente com o ensopado, nos acompanhará nas refeições deste dia que sabemos culminará com o alegre tocar dos sinos de aleluia.
Haja sol, e segunda-feira nos faremos ao campo, nos Castanheiros, no Paraíso, no Carapiteiro ou no Vale da Rabaça, para que na cumplicidade do aroma de esteva, alecrim e rosmaninho, façamos a festa da partilha e celebremos a chegada da primavera, da vida e da ressurreição.
Que não falte o cante das nossas vozes casadas em harmonia e o tinto do melhor, bênção etílica de uma terra nascida por capricho de Deus.
E é assim Vila Viçosa, sempre perfeita, nos meus doces e fantásticos dias de Páscoa.

Comentários

  1. Parabens esta lindo
    Votos de uma Páscoa Feliz para todos!! Sempre com a esperança em caminhos renovados e sonhos recomeçados...
    RU PEREIRA

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