Uma fábula de Páscoa


No tempo em que os animais falavam, ao vivo ou em directo na televisão, existia à beira mar, uma fértil quinta de verdes prados e fantásticos pomares de onde saiam os melhores e mais suculentos frutos.
A vida seguia o seu rumo normal com os diferentes animais a partilharem o imenso espaço e a viverem numa paz muito agradável.
Mas, num belo dia de verão, algures quando a quinta estava como nunca em festa e recebia em estábulos novos e caros, os animais das quintas vizinhas para uma competição, o Cherne Zé Manel, encarregue da liderança, ambicioso, resolveu partir deixando a dita entregue às cigarras mais faladoras e prometedoras… pela conversa.
A Cigarra Pedro avançou primeiro, mas sendo como é um animal em movimento e que só gosta de andar e ser visto “por aí”, cedo abriu vaga para a Cigarra Zé, uma artista que fez com que a quinta virasse uma festa permanente…
As crias já não precisavam de ir à escola e podiam acompanhar os seus pais nas longas filas dos Centros Comerciais, todos prontos para dar brilho a lustrosos e dourados cartões de crédito. Foi porreiro, pá.
Mas o problema foi que um dia, chegou o inverno, e quem o verão passa com Cigarras…
A Cigarra Zé fugiu não sem antes ter de chamar a Águia Ângela que do alto do céu passou a comandar os destinos da quinta através de uns fiéis recrutados discípulos: o Burro Miguel, o Coelho Pedro e o mais fiel de todos, o Pinguim Gaspar.
Na sala de comandos da quinta ainda havia lugar para o Papagaio Paulinho, uma ave colorida que aprendeu a falar na redacção de um jornal de escândalos e que a toda a hora repetia: “eu mato”; e dentro de um aquário com paredes de “marquise” e água BPN (Boa Para Novos-ricos), o Pichelim Aníbal e a Marmota Maria, que muitas vezes se aproximavam do vidro mexendo a boca, mas quase sempre apenas para comer. Falar? Muito pouco.
Na antecâmara desta sala habitava o Cão Tó Zé, muito dado a ladrar mas tão “Seguro” no não morder que nem azulejo de “cuidado com o cão” a quinta teve de implantar pela sua presença.
As vacas, as galinhas e todos os animais de criação foram colocados em processos ininterruptos de produção, sempre motivados pelos capatazes, o Boi Fernando com o seu “aguenta, aguenta”, e o Galo Belmiro com o conhecido “ganhar pouco e trabalhar muito”.
As crias de todos estes animais foram entregues ao Mocho Nuno e quando terminavam o processo de formação, ou tinham arcaboiço e iam com os ovos e o leite, produto do trabalho dos seus pais, para outros territórios vigiados pela Águia Ângela, ou, no caso de serem maus ou assim-assim, iam substituir os seus progenitores na cadeia produtiva, sobretudo na altura em que estes passavam para os cuidados do Macaco Mota, que os despachava para uma espécie de contentores onde esperavam apodrecer alimentando-se de uma cada vez mais pequena “ração mensal”.
E assim iam os dias cinzentos de uma quinta que era agora uma sombra triste da grandeza do passado.
Mas um dia, pela Páscoa e na altura em que a Cigarra Zé voltara para um show e todos estavam distraídos, encontraram-se à “sombra de uma azinheira” umas galinhas e umas vacas sem nome, que muito revoltadas, com as tetas inflamadas e o rabo muito dorido pela excessiva produção de ovos, para tão pouco proveito, combinaram atacar a sala de comandos da quinta e trazer para o terreiro os fiéis “capatazes” da Águia Ângela.
Conversa aqui, conversa acolá, conseguiu delinear-se um plano que resultou em cheio porque não houve vaca ou galinha que não se juntasse à festa.
O Burro Miguel ainda se fartou de zurrar mas a imensidão de animais revoltados, pela sua força, esvaziou o aquário entornando a água, depenou o papagaio, e a “troika” de animais no poder acabou deposta, com todos os seus elementos ridicularizados na praça principal da quinta, no mesmo dia em que voltou a liberdade.
Porque afinal, “a união faz a forca”… essa mesmo, aquela onde se penduram os traidores.
Porque era necessário que vivessem felizes para sempre!

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