Tomate, pingo e espargos sob uma coroa de poejo

Ontem à saída da missa das onze e meia em Vila Viçosa perguntei a uma pequeníssima amiga que foi há pouco para a Escola Preparatória frequentar o quinto ano de escolaridade, do que é que gostava mais nesta nova etapa da sua vida escolar.
Ela não hesitou na resposta: dos cacifos.
Que inveja!
No final dos nos setenta, inicio dos oitenta, a juntar ao Passeio dos Alegres, as nossas tardes televisivas de fim-de-semana continham sempre um episódio da série Fame, e para além dos bailados e das peças do Leroy e companhia, que inveja daqueles cacifos no corredor personalizados com fotos e mensagens, refúgio para os intervalos menos interessantes e para aqueles em que emergia algum terrível desgosto de amor.
Mas já não sou do tempo das escolas preparatórias ou secundárias terem cacifo.
A minha Escola Secundária, instalada em versão provisória nas cavalariças do Paço Ducal tinha manjedouras, o que não é de todo a mesma coisa, mas acabava por ser um bom local para nos sentarmos a conversar, e a festa ou os desgostos de amor não eram “tratados” na solidão da cabeça enfiada num paralelepípedo de metal com porta e com uma tranca associada a um cadeado, mas antes na tertúlia dos amigos, verdadeira terapia de grupo.
Talvez por sermos dessa geração que conversava, com olhos e com a boca, ao contrário desta geração dos cacifos que fala com os dedos, e claro, porque sobrou tempo para nos conhecermos muito profundamente e por esse conhecimento termos enraizado uma fortíssima amizade, ficou-nos o gosto, muito mais do que apenas o hábito, de nos sentarmos a conversar e a partilhar a vida.
Ontem foi dia de almoço de amigos.
A Manuela, o Zé Maria e a Marta convidaram-nos para a sua mesa familiar. Com o Padre Simões, a Natália, a Mina, a Fernanda, a Xana, o Manuel, a Ana Cristina, a Joana e o Fábio fomos três alegres gerações à mesa na roda dos amigos.
E com tanta energia que a mesa a determinada altura até “quebrou”.
Somos amigos da escola e também dos Convívios Fraternos que fizeram parte desses dias que já vemos à distância de décadas.
Décadas em que cada minuto foi uma oportunidade para cimentarmos a nossa amizade e nunca um pretexto para justificar qualquer tipo de afastamento. O tempo constrói ou destrói, nós ditamos o seu aproveitamento, e aqui imperou esta amizade que para todos tem marca de indestrutível e está inscrita no coração de cada um com marca de indispensável.
O pretexto, e apenas e só o pretexto, uma Festa das Migas.
E assim, ao contrário do que o título possa sugerir, este não é um texto destinado à análise de alguma cantiga do Festival da Canção que possa ter sido escrita pela Rosa Lobato Faria, é apenas um breve resumo dos aromas do menu: Migas de Tomate, Migas do Pingo e Migas de Espargos.
E o poejo?
O aroma do licor que me serviu de digestivo.
E se a comida estava excelente, e estava mesmo, ela é como disse, apenas o pretexto para nos reencontramos e estarmos juntos partilhando o riso que nasce desse à-vontade de sabermos rir de nós próprios, dos nossos tiques e das nossas assumidas manias; compartirmos as faces fechadas e sérias que às vezes se desfazem em lágrimas sempre que a vida não corre como gostaríamos que corresse e… partilhar até os silêncios.
Porque de tudo isso se compõe a vida, essa dádiva perfeita que sabe sempre melhor num momento como este: uma tarde solarenga de Outono, Alentejo no seu melhor, porque isso é Vila Viçosa; e grandes, grandíssimos e eternos amigos.
E os invejados cacifos não nos fizeram falta alguma.

Comentários

  1. Como eu entendo e me revejo nessas tuas palavras, a amizade é isso mesmo...."partilhar os silêncios", Com os meus grandes amigos(as), isso acontece tantas vezes, é bom ser assim. P

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