Os anjos que ainda respiram
Há
uma velha lareira que o tempo e o fumo pintaram de negro, e há um madeiro
gigante que se deixa consumir lentamente por um fogo sem chama e perfuma a casa
de um conforto alinhado com o sol que brilha intenso para lá das vidraças.
O
brilho intenso do astro-rei por sobre o Atlântico aqui tão perto e que
resplandece de azul na ilusão de um dia que é afinal de frio e de um Outono
quase Inverno.
As
paredes têm a cor de um papel já gasto, e gastas estão as gravuras espalhadas
pela sala, mais pelos olhares que dias inteiros repousam e se abandonam sobre
si, do que pela acção do sol nos dias em que brilha assim como hoje o faz.
Na
velha mesa quadrada e com brilho de verniz que está colocada no canto junto à
janela, repousa um velho baralho de cartas que tem ar de tudo menos de sorte, e
um jornal que ali abandonado já perdeu a altivez da sua melhor cor, e carrega as
palavras de tantas histórias de muito antes de hoje. Há muito se perdeu a conta
ao número de vezes que as suas páginas foram revisitadas naquele lento passar
de quem não lê e não quer ler nada, porque só quer mesmo passar o tempo.
E
o tempo passa por ali ao ritmo lento dos Homens que repousam o olhar num sono
tranquilo e que sorriem no seu dormitar, por certo embalados pelos sonhos que sempre
se recusam a morrer; porque acelerado, só o tricotar da Senhora D. Aurora que
sofregamente se atira a um novelo de lã de cor azul, da cor do mar, que cedo
será Natal, e a camisola para o bisneto que imagina ter, rapidamente terá de
estar pronta.
O
velho soalho dispõe-se a fazer ressoar os passos naquele templo de silêncio que
reduziu as palavras a um monte de letras alinhadas num jornal amarelecido e
abandonado junto à janela. Talvez em breve, e quando chegar o chá que antecede
o pôr-do-sol, regressem as palavras que carregam memórias de tanta vida e tanta
gente, palavras soltas e quantas vezes sem sentido, palavras ditas com gosto a
saudade, que não há maior saudade do que aquela que nasce da solidão de estar
aqui.
Não
fosse o bolo que chega em cada aniversário, e os dias seriam iguais, como
iguais seriam as idades de toda a gente, que pouco a idade importa por aqui
nesta confortável mas triste sala de uma tão solitária espera, o local onde a
morte sempre passa para recolher passageiros de entre os homens e mulheres que
apenas carregam memórias, porque de afectos, há muito lhes esvaziaram tudo e
também a bagagem.
A
morte tratada por tu na proximidade de um estranho estatuto de família.
Quando
o sol partir e para lá da vidraça o mar não passar de uma memória, o velho
rádio ganhará voz e soltará a oração de um terço vivido por aqui apenas no
acariciar das contas já muito gastas, que poucas forças carregam os lábios para
acompanhar o ritmo de tamanha fé, a fé da gente que de Deus se sente apenas a
um passo tão curto e tão breve…
A
fé da sabedoria dos velhos… os anjos que ainda respiram.
Eu tlnha (tenho) um blog chamado Whynotnow, (www.wwwdejanito.blogspot.com), que resolvi encerrar definitivamente (?) há muito pouco tempo. Mas continuo a seguir inúmeros blogs, alguns até de medíocre qualidade porque são de amigos, e surge-me agora este que é de excelente qualidade.
ResponderEliminarOs meus comentários, desde a cessação do blog são muito, mesmo muito escassos, mas de vez em quando surgem, como neste caso.
De qualquer forma passarei a ser um leitor atento,