A Dieta Mediterrânica

Um pequeno-almoço composto por uma torrada de pão de trigo temperada com azeite, alho e tomate triturado, degustado na companhia de um excelente queijo fresco e na bênção de uma vista para o Tejo a usufruir da luz clara de Lisboa que sempre salienta os tons entre o ocre e o rosa do casario disposto em cascata pelas colinas, tendo na aparelhagem um CD que nos enche a casa com a voz inconfundível de Amália Rodrigues em rima com a Guitarra Portuguesa que geme os acordes de um fado que tem poema de Alexandre O´Neill e música de Alain Oulman; é um momento inconfundível, um património que entre o material e o imaterial é definitivamente rico e dos maiores da humanidade, para além de que faz muito bem ao coração, também, e mais uma vez, nessa dupla perspectiva do material e do… imaterial, que não há paixão ou grande amor que não se afague na presença de semelhante enquadramento.
Nós há muito que o sabemos, e a UNESCO acabou agora por reconhecê-lo em dois tempos diferentes, depois do fado, a dieta Mediterrânica e toda a simplicidade de recursos do campo que a sustentam e que são engrandecidos pela criatividade do Homem no uso dos cheiros e dos aromas que também vai buscar a esse mesmo campo.
O reconhecimento que expressa assim o elogio da simplicidade.
Mais do que mar, o Mediterrâneo é uma cultura que extravasa a geografia da costa do próprio mar e se expressa das mais variadas formas, de entre as quais, esta forma diferente de escolher e confeccionar alimentos, juntando o útil ao agradável num casamento perfeito entre o saudável e os prazeres da degustação.
Mas há também a música, que nos põe a nós Alentejanos a cantar da mesma forma que na Sardenha, e os Gregos de Thessalónica a tomarem ares de fadistas quando cantam a Rembetika.
É a cultura que definitivamente une as nações, muito mais e com muito mais força do que os arranjos artificiais “cozinhados” no lume dos interesses económicos, financeiros e políticos do momento, interesses frágeis de valores que depois rapidamente sucumbem e morrem esmagados pelas mãos de qualquer Merkel ou quaisquer Troikas.
E acho muito interessante que a minha Sopa de Tomate confeccionada à moda do Alentejo com pedaços do melhor pão de trigo, e indiscutivelmente a minha preferida ganhando por goleada à famosa Açorda ou à Sopa de Cação, seja na sua simplicidade um reconhecido património imaterial da humanidade, que há muito já é património dos meus afectos mais profundos.
Brincando um pouco, sempre posso dizer que me enche de orgulho que a minha Tia Maria Teodora, a mulher que confeccionava a melhor Sopa de Tomate que alguma vez comi, seja agora por reconhecimento da UNESCO uma espécie de Amália da dita sopa.
Muito a sério, ensina-me a vida todos os dias que a maior riqueza vem  das coisas mais simples, as quais insistimos por vezes em “sofisticar” apenas por ser diferente. E às vezes sai asneira.
Acontece com tudo na vida e também com o que comemos.
Quando criança em Vila Viçosa gostávamos de comer pão barrado com banha de porco e polvilhado com açúcar. Não me perguntem como era possível que o comêssemos, mas sim, comíamos, por certo com o colesterol a bater palmas enquanto trepava por nós acima. Até aí podia ir a nossa “sofisticação” com a almotolia do azeite ali tão perto e mesmo à mão.
E na semana do reconhecimento da Dieta Mediterrânica como Património Imaterial da Humanidade abriu aqui pelos meus lados um restaurante da MacDonalds que pôs às moscas a loja que vende sopas “saudáveis”. Eu também lá fui comer um hambúrguer.
Sempre a trair a herança da Tia Maria Teodora.
Não há direito.
Mas não perderei com a demora…
Sei que um dia voltarei ao Alentejo, e aí, do alto de um monte com aroma e cor de estevas, perderei o olhar no mais longe da planície onde os sobreiros recortam o horizonte, onde as ondas são espigas e pão entregues ao vento e onde as oliveiras têm tatuadas as mãos ásperas e heróicas dos meus avós, e sentirei o Mediterrâneo no mais Atlântico dos países e sentirei que cheguei a mim e reencontrei a minha verdadeira essência.

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