DEUS


Jamais Te darei nome ou rosto, embora Te vislumbre na face mais perfeita e doce dos dias, Te sinta por entre o aroma das rosas e todas as flores, embora eu Te toque e abrace nos instantes todos em que a paz parece inundar-me o ser.
Jamais Te fecharei nas cadeias da sumptuosidade que dá lustro ao meu poder, o dourado dos zimbórios ou dos minaretes que servem vaidades, arquitéctónicos troféus de guerras falsamente feitas em Teu nome, as cruzadas vãs de quem te “embrulha” em humanas condições.
Jamais Te disfarçarei com as vestes da ilusão dourada de qualquer barroca moral que sirva os meus interesses e convicções; a moral que repele e confunde Pai com juiz, acolhimento com condenação, e confunde amor com a pérfida e triste submissão.
Mas falo contigo, rezo-Te na mudez das palavras e das fórmulas, aquela que faz aforar e cantar os gestos e as atitudes, rezo nos beijos e nas palavras que dou aos que passam pelo tempo e pelo meu espaço, canto-Te glórias quando celebro a liberdade, quando afogo a hipocrisia e vivo na festa de ser eu, tal qual me criasTe.
Comungo-Te no pão das searas que o vento beijou e o Homem ceifou sob o calor de Julho, na fruta madura, no vinho que pelo sol tomou de Ti a alegria na encosta que beija o rio, no sal do sabor que colho dos mares que o dia tinge de azul.
E nas águas límpidas e frescas das ribeiras, quando me dispo de pudores e iniquidade, tomo de Ti a força de quem renasce para a vida que importa.
Há uma profecia de liberdade nas asas soltas das gaivotas rasgando o céu das minhas tardes, uma profecia de paz na música do vento varrendo as árvores e o silêncio do campo ao meio dia, uma infinita premonição de vida no eco doce da palavra amor solta pela pessoa mais bonita do universo e que Tu sentaste ao meu lado pela via do coração.
Mas há uma realidade de indisfarçável dor tal e qual as cruzes erguidas nas tardes de tormenta do calvário, uma dor que cruzou milénios e que persiste na gente escravizada e explorada, no Homem faminto que come do lixo, na vítima de perseguição pelo que pensa e pelo que é, nas crianças que correm descalças sobre o chão duro semeado pelos senhores da guerra, na iliteracia, no Homem discriminado, no velho que morre sozinho, na floresta que arde nas chaminés dos interesses, no cão apedrejado…
Mas eu vejo-Te e sinto-Te nas profecias doces que por ti inundaram todas as horas…
E deixo que a minha esperança tenha laivos de aleluia como em Jerusalém numa manhã de primavera.
Jamais Te darei nome… pela fé chamar-Te-ei apenas vida, muito mais que Deus.
E o Teu rosto… é o rosto que anda nas vidas de toda a gente.      

(“Um mês A GOSTO” / Dia 14 / Tema proposto por Álvaro Coelho)

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