LIBERDADE
Decorria a primavera de 1992 e eu cumpria o Serviço
Militar na Farmácia do Hospital Militar Principal, no edifício da Casa de
Saúde, à Estrela.
Aspirante Oficial Miliciano, eu desempenhava com brio
as funções de farmacêutico e preparava a medicação para os doentes dos
diferentes Serviços Clínicos; entre eles um dos meus heróis e um dos maiores
heróis do nosso tempo: Salgueiro Maia.
Porque em Abril tudo acontece, e porque é nas manhãs
de Abril que se ganha a liberdade e a eternidade, o "Capitão" partiu
sem nunca saber que as mãos que lhe preparavam os medicamentos tomaram de si e
por si uma nova sorte, entre cravos vermelhos e inevitavelmente... na sua… na
nossa manhã de Abril.
Os heróis marcam o tempo, rompem esquinas no
previsível, cortam a História, e ali estávamos agora os dois com o Tejo ao
fundo, ele o herói, e eu o filho do Artur que era barbeiro desde os dez anos e
que um dia não pôde vir a Lisboa porque não tinha uns sapatos dignos para
calçar.
A liberdade...
Num dia da última primavera passei pelo Carmo em busca
das flores dos jacarandás, e entre o eco da revolução, dos gritos do povo, do
megafone de Francisco Sousa Tavares, de Salgueiro Maia; talvez a liberdade não
estivesse tão rubra quanto nas palavras de amor que soltei baixinho e ao jeito
de um beijo soprado, no ouvido de quem me acompanhava.
Uma revolução; mas a coerência do coração no usufruto
de uma herança de liberdade.
O herói partiu sem saber quem eu era, mas a “rua” que
abriu na esquina de um tempo novo jamais ficará órfã dos meus passos.
Que as ruas se apagam em pó e ervas sempre que não
beneficiam dos passos de alguém.
A liberdade…
A rua da minha liberdade.
(“Um mês A GOSTO” / Dia 15 / Tema proposto por Lucinda
Almeida)
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