GIESTA
O sol levantou-se um pouco depois de nós, e não teve
tempo sequer para amornar a planície e inibir o fresco que se sente na face
enquanto caminhamos lado a lado.
Eu transporto uma alcofa colorida que contém as
iguarias para o almoço, o pão de meio quilo comprado cedo na padaria junto ao
mercado, e a avó leva à cabeça uma trouxa gigante com a roupa que irá lavar daí
a pouco.
Passamos as Aldeias, o palacete de Peixinhos e
continuamos a descer até ao monte da Fonte Cebola onde quatro cruzes de pedra
colocadas na parede dão o mote para uma história…
Há muitos anos quando ainda havia soldados em Vila
Viçosa, um assalto violento motivou aqui quatro mortes, três Homens e uma
perdiz; cada cruz de pedra recorda um destes seres.
Depois e finalmente, o ribeiro.
A pedra branca está no seu sítio de sempre, livre e à
nossa espera; é a preferida da avó que improvisa uma almofada e se ajoelha
beijando as águas frias e límpidas que escorrem do monte; o sabão azul e branco
com que esfrega e bate cada peça de roupa nessa pedra quase mágica, mescla o
seu aroma com o da hortelã e do poejo que crescem por aqui na humidade da terra
benzida pelas águas.
Daqui a muito pouco, a roupa será espalhada pelo monte
disposta em cima da giesta e da esteva, corando ao sol, e oferecendo à paisagem
que nos envolve, um certo ar de neve, contraste perfeito num dia de um avançado
Junho que o sol entretanto aqueceu.
Aproveitamos para almoçar, um gaspacho preparado com o
pão que trouxemos, e um cheiro e gosto intensos de orégãos, tomate e alho, para
além do vinagre que veio com o azeite num pequeno frasco de vidro. Por cima do
preparado, a avó coloca rodelas de chouriço, memórias guardadas à chaminé da
matança de Dezembro.
A roupa, que mais tarde passará novamente pelo ribeiro
e pela pedra, tomará entretanto do sol a alvura, e da giesta e da esteva, os
aromas que levaremos connosco para casa, para os leitos onde nos disporemos a
sonhar durante as noites quentes de verão.
E durante o almoço, novas histórias e lendas vividas
por aqui na cumplicidade maior com a Terra.
Palavras que vou acompanhando fazendo pequenos
desenhos na terra com a ponta de uma pequena vara que entretanto recolhi por
ali.
As palavras por onde me deixo ir crescendo no cumprir
de uma genética de simplicidade.
Os verdadeiros ricos são os privilegiados que não se
encerram entre as paredes mais ou menos ricas dos palácios, e usufruem assim do
mundo inteiro por entre a mais doce liberdade; fazem do pó da terra uma tela
imensa onde traçam o mapa dos seus sonhos.
E nunca se cansam de louvar a gratidão de Deus, não no
ajoelhar tantas vezes patético perante a opulência de imagens que reduzem o
Divino a um humano estatuto, mas ajoelhando-se e beijando as águas com as suas
mãos; as águas, o néctar de Deus para a fertilidade dos campos que nos dá o
pão…
As mãos calejadas pela Terra e amadurecidas pelas
agruras de cada história.
E na planície há altares perfeitos mas simples espalhados
pelos montes, sem ricas talhas mas adornados pelo ouro que o sol se encarrega
de fazer brilhar… as flores perfeitas das giestas.
Altares onde eu rezo e que me inspiram enquanto vou crescendo.
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