Primavera


O ânimo é outro e bem melhor, sempre que ainda ensonado e com o toque do despertador a ecoar-me no cérebro, abro a janela do quarto ao jeito de autómato em deslocação para a casa de banho, e sou brindado com uns intensos raios de sol. E maior é ainda este impacto, depois de semanas carregadas de manhãs de nevoeiro e chuva, motes perfeitos para um intenso “sebastianismo” que quase parece destino para o nosso luso triste fado.

Hoje, como sempre às 7 da manhã, e segundo o rigor dos astrónomos, exactamente 4 horas e 2 minutos antes do inicio da Primavera.

O sol, da forma como é visto a partir da Terra, cruza a linha do equador terrestre que é projectada na esfera celeste, possibilitando dessa forma que no hemisfério norte ocorra o Equinócio de Março, aquele que põe um ponto final no inverno.

Do latim, aequus (igual) e nox (noite), o Equinócio marca o momento em que o dia é exactamente igual à noite, e sabemos que Primavera fora, a luz irá gradualmente impor-se à escuridão dessa mesma noite.
E pela vitória da luz se faz a Festa da Fertilidade.

Os celtas celebravam a Deusa da Fertilidade (Eostre, Ēostre, Ostara ou Ostera) representada por uma mulher com um ovo na mão e um coelho a brincar aos seus pés (piadas com “austera” e “Coelho” são dispensáveis). Os cristãos, celebramos a ressurreição de Cristo como a mais retumbante vitória da luz sobre as trevas.

Mas não admira que os anglo-saxónicos chamem Easter à Páscoa, e que todos a celebremos com coelhinhos e ovos… afinal a nossa maior grandeza está na vivência dessa simbiose perfeita de tudo o que somos com o assumir do que nos foi deixado como herança pelas culturas que nos trouxeram até aqui.
E hoje, teve aroma de primavera, esta manhã que de um lado de casa me revelou um Atlântico em intensos tons de azul, e do outro, a Pena e o Monte da Lua sem a mancha branca ou acinzentada de quaisquer nuvens. Atlântico e Sintra, fantásticas compensações na ausência desse cheiro que intuí, reinará já no Alentejo e no meu campo.

Hoje, assumindo o calendário de uma natureza que se renova continuamente de forma magnífica aproveitando a fertilidade da força catalisadora da luz, e inspirados no saber de todos os que foram e são a raiz da nossa cultura, da nossa história e da nossa fé, talvez seja o dia ideal para o compromisso e para cumprir o propósito da renovação.

E a renovação começa em nós, porque é aí que reside o potencial da esperança, adormecido ou activo, consoante o impulso e a força com que apostamos na sua concretização.

O impulso e a força para sobrepor a esperança a todos os obstáculos, por vezes gigantes, que a vida nos coloca. Concretizando e nunca desistindo.

Vão difíceis os dias e até a ONU sentiu a necessidade de decretar o dia de hoje como Dia Internacional da Felicidade. Como se a felicidade se “impusesse” por decreto…

A felicidade nasce do concretizar da esperança, pela garra e pela vontade de ser maior, renovando-nos e alinhando-nos afinal com a natureza, que jamais deixou de nos trazer a Primavera.

E pela luz se faz a flor, mãe de todos os frutos.

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