A velha Constantinopla e o brilho da liberdade

A noite de Esmirna convida a um passeio nocturno junto ao Mar Egeu, do qual o hotel está muito próximo, e nem a hora perversa para o despertar na madrugada seguinte, nos demove de concretizar tal apelo.

Cruzamo-nos com vendedores de bandeiras Turcas e com as palavras de ordem da manifestação dos que defendem a manutenção do seu país como um estado desprovido das inspirações religiosas que em muitas situações limitam a vontade e a liberdade dos cidadãos.

Caminho lentamente em conversa com o Sr. José que é um homem das geração dos meus pais. Somos ambos alentejanos, de localidades próximas mas conhecemo-nos nesta viagem onde ele está com a sua mulher.

A conversa, que também abrange o feijão com mogango, a açorda e o ensopado de borrego, faz-se sobretudo da partilha das nossas vidas, vividas ao redor de uma revolução que nos abriu à liberdade.

Não entendemos as palavras dos Turcos mas conceptualmente, estamos com eles.

Chove copiosamente quando na manhã seguinte aterramos em Istambul, a eterna Constantinopla, mas cedo verificamos que a chuva não demoveu os manifestantes que estão na Praça Taskim que dista cinquenta metros do hotel onde estamos alojados.

É a primeira vez que estou na cidade e a visita começa pelo Topkapi. A sumptuosidade instalada numa colina e posta ao serviço dos sultões, senhores de muito poder e muitas mulheres.

A chuva pára pela hora do almoço e é já sob sol escaldante que aguardamos na fila para entrar na Mesquita Azul. Descalço-me e sento-me por momentos na alcatifa que atapeta o piso deste edifício fantástico que deve o seu nome à cor dos milhares de azulejos das suas paredes interiores.

Aqui como nas outras religiões, o Homem empenhado em revestir os espaços de oração com a verdadeira grandeza que reconhece em Deus.

Atravessamos a praça e rapidamente entramos na Mesquita de Santa Sofia, ou da Santa Sapiência, que Sofia não é nome de alguém posteriormente canonizado.

Antiga Igreja Bizantina que acabou como Mesquita mas com os Muçulmanos a preservarem todos os ícones de Cristo e dos Santos. E no ponto mais nobre de uma Mesquita: Maria e Jesus.

Passamos pela cisterna e retemperamos forças bem necessárias para o dia seguinte.

Sábado amanhece com sol e à medida que o barco rasga as águas do Bósforo, fazemos o olhar alternar entre a Europa e a Ásia, dois continentes aqui tão próximos e partes complementares de uma mesma cidade.

Após a visita ao Patriarcado de Constantinopla, o "Vaticano" dos Ortodoxos, mergulhamos no Mercado das Especiarias e no Grande Bazar.

Quilómetros de lojas num comércio ao estilo Turco e com muito regateio, num labirinto ordenado e limpo onde até eu que não gosto de feiras e mercados, não dei por terem passado duas horas.

Após mais um Café Turco, o regresso ao hotel. A praça continua ocupada e respira um ar de festa, enquanto ao redor há milhares de policias que intimidam logo pelo elevado número.

Compreendo os manifestantes de Istambul da mesma forma que os de Esmirna.

Istambul é definitivamente uma das mais fantásticas cidades que já visitei. É imponente, majestosa, é tolerante e exemplo de liberdade na forma de em si congregar dois continentes e de conciliar religiões e diferentes culturas.

Istambul junta-se a Paris ou Londres no grupo das cidades que nos fazem querer muito escrever sobre elas.

Insinua-se ao escritor e ao poeta.

Istambul impõe-nos à alma o desejo de um dia voltar para a partilharmos com a pessoa a quem o coração elegeu. A beleza e a grandeza da cidade induzem-nos suspiros de amor a cada instante. As ruas convidam-nos a namorar.

E a luta?

Por muito grandes que sejam as suas convicções políticas ou religiosas, nenhum líder político eleito líder de uma nação tem o direito de matar a liberdade e a tolerância, quer falemos de uma terra ou da gente que a habita.

A liberdade e a tolerância são valores universais cuja defesa valida esta como tantas outras lutas.

E eu que espero voltar um dia a Istambul, quero reencontrá-la assim: livre e tolerante.

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