As olimpíadas da esperteza

Qual futebol, atletismo, hóquei em patins, bilhar, ciclismo ou matraquilhos?
Os nossos verdadeiros desportos de eleição, aqueles onde verdadeiramente somos imbatíveis, são os que constam das “Olimpíadas da Esperteza”.
Sem necessidade de infra-estruturas específicas, qualquer sala de espera de um consultório com as suas cadeiras dispostas ao redor de mesas recheadas de revistas do social de há cinco anos, fornece condições para que, reunido um grupo de pessoas, se eleja o mais dos mais espertos, o chamado “Chico”.
A primeira modalidade em acção nestas olimpíadas é invariavelmente o combate pela “Patologia de Ouro”, a escolha do mais doente de entre todos os presentes. Todos os participantes apresentam os seus argumentos, cada um pior que o anterior e sempre com vantagem para o último a falar pois mesmo que tenha um diagnóstico idêntico a algum dos que já intervieram, sempre acrescenta aquele rol de médicos que não conseguiram identificar a sua “doença” ou aquela TAC que a definiu como estranha forma e muito complicada. Por vezes a competição leva a momentos de fúria e até à exibição de algum osso saído, de fístulas, de manchas corporais, dos joanetes ou outras formas visíveis de uma patologia.
Do programa consta também quase sempre a “Genética da Inteligência”. Aqui, todos os presentes colocam em cima da mesa um caso raro de inteligência que exista na sua família, invariavelmente um filho ou um neto. Contam-se os prodígios do ser fantástico e sobredotado, que até pode ter reprovado no ano lectivo anterior, mas claro, sempre porque o seu excesso de inteligência o torna incompreendido pela mediania existente no sistema de ensino e na sua avaliação.
É altura então de passarmos ao “Momento McGyver”. Existiu um momento algures na História da humanidade em que a salvação da própria humanidade esteve na mão das criaturas aqui em competição. Com mais jeito ou não para contar histórias, com mais ou menos emoção, todos partilham a sua experiência, aquele dia em que a sua perspicácia fez toda a diferença.
E diferença é também o que sobressai em mais duas modalidades: “A minha casa é melhor que a tua” e “Eu consigo comprar mais barato do que tu”.
Na primeira e ao fim da primeira ronda já perdemos a noção do número de assoalhadas do “palácio” de cada um dos presentes, e na segunda modalidade, e mesmo que apenas por cêntimos, o que fala a seguir consegue sempre comprar mais barato que os anteriores, quer falemos de bens ou serviços.
E nestes verdadeiros “jogos florais de sala de espera” quase nunca falha também o “Momento Trânsito”. Todos conduzem bem e segundo as regras, mas quase todos já viveram também um momento de pânico por culpa de terceiros, momento do qual se saíram bem pelo brilhantismo da sua decisão tomada em tempo recorde.
Para reforçar os argumentos e ir ganhando vantagem, sempre se pode propagandear o relacionamento de proximidade com uma figura pública muito influente, do tipo Cristina Ferreira, Fátima Lopes ou Júlia Pinheiro, usar um tom de voz que sobressaia por cima dos restantes, utilizar a emoção e, lembrando algum ser que já partiu, verter alguma lágrima em pose estudada.
Tudo isso pode ajudar a fazer a diferença.
A apreciação de cada candidato e a sua classificação final é sempre atribuída pelos restantes na altura em que o nome do dito é chamado para entrar em consulta, sendo muito fácil de nos apercebermos se o ser que recentemente se ausentou do “ringue” de competição, leva o rótulo de exagerado, assim-assim ou verdadeiro mártir.
Por vezes há também uns seres que não falam, recusando a competição e não emitindo quaisquer sons quando os olhares dos restantes incidem sobre ele e se faz um silêncio momentâneo que tem efeitos de passagem de microfone.
Hoje fui eu quem cumpriu esse papel, e não falei sobretudo porque estava entretido e divertido a registar a história.
Acho que se não fossemos como somos, não teríamos por certo tanta graça.

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