Um leque e as pequenas coisas que fazem os dias

Há alguns bons anos fui com um grupo de amigos ao Teatro Nacional D. Maria II assistir à representação da peça “O leque de Lady Windermere”, de Oscar Wilde.
Para que o argumento desta comédia de costumes se desenrole na total fidelidade ao escrito pelo genial autor, é necessário que o leque, precisamente o de Lady Windermere, permaneça em cena algures esquecido num sofá.
Nessa noite porém, o leque resolveu sair de cena agarrado às vistosas rendas do vestido da actriz Lurdes Norberto, que antes de o levar consigo rodopiou tanto à boca de cena que nos ofereceu a todos a oportunidade de comprovar que o fundamental acessório iria desaparecer do seu sítio.
Bastou um leque prender-se às rendas de um vestido e o argumento perdeu sentido, criando-se um alvoroço mental entre os actores que chocavam no deliberado abandono das marcações, e nós acabámos por ver uma comédia dentro de outra comédia.
E o teatro é sempre como a vida…
E basta tão pouco para mudar um argumento.
Um simples leque… como um sorriso que travámos e matou a alegria no outro, como um silêncio que criou distância, como uma tão simples palavra que alimentou a esperança, um gesto que deu força, uma palmada amiga e carinhosa que injectou ânimo num desanimado…
E temos sempre na mão estes aparentemente insignificantes “átomos” que constroem e alimentam a vida no sentido de ser feliz, e o controlo das grandes conquistas está na arte de saber jamais desprezar todos estes tão pequenos passos.
Sempre alinhados com os sonhos, porque morre sempre quem deixa de sonhar, e sabendo que um dia que nos seja oferecido e que deixemos morrer sem o rechearmos de uma acção nossa, cirúrgica, fundamental e concreta, é uma terrível demissão de viver.
Um domingo quente de verão, um prato de cerejas, eu, uma janela que mira o mar e onde procuro em vão uma brisa fresca…
E os pensamentos são como as conversas, e ambos como as cerejas.
Faz hoje anos a minha amiga e colega Helena Novais e há pouco dei-lhe os parabéns. Talvez não seja por acaso que hoje os pensamentos se façam de sonhos, aqueles mesmos das gargalhadas e dos sorrisos das nossas cumplicidades que nunca têm fim.
Nada mesmo acontece por acaso.
Sorrio.
E a brisa que não se sente.

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