A nossa terra

Tudo na vida é relativo, e por isso não estranhei que o motorista de táxi que me levou esta manhã do hotel em Ponta Delgada até ao aeroporto, ao saber que eu ia apanhar um avião para a Terceira e não para o continente, me tenha comentado:
- Então o senhor ainda vai até às ilhas.
Num processo em cadeia que vai no sentido do maior para o mais pequeno, o território onde se habita é assim uma espécie de “continente”, e os que se lhe seguem são as ilhas.
E para as ilhas ia também o jovem jogador de uma equipa de futebol da Madalena do Pico, que regressando a casa vindo de Boston, se encontra atrás de mim na fila para o controlo de segurança, a carpir as mágoas junto dos seus colegas, não se conformando com o regresso à terra “onde nada acontece e a noite é para dormir”.
Sentirá já saudades dos bares que frequentou na terra do Cheers, “aquele bar”.
Na ilha Terceira vive também a rapariga que me serve um café pela hora do almoço na pastelaria em frente à Sé, e que nem de propósito partilha com a sua colega de balcão e com uma cliente pelos vistos sua conhecida, o triste que é viver por aqui e encontrar todos os dias as mesmas caras.
As outras não concordam com ela e por isso ela vai extremando argumentos até dizer que ao ouvir falar em filas no IC19, até sente inveja porque isso é sinal de muita gente.
Haja gente com mau gosto.
Há então uma outra cliente que se mete na conversa e a tenta demover da vontade de ir para filas de trânsito, dizendo-lhe que vive na margem sul e de que já não suporta o trânsito na Ponte 25 de Abril.
Mas a rapariga segue pelas suas convicções.
É uma motorista de táxi que me traz de volta ao Aeroporto das Lajes vindo de Angra do Heroísmo. Metemos conversa e eu digo-lhe que a terra dela é fantástica.
Agradece e comenta:
- Não me vejo a viver em qualquer outro sítio. Este é o meu lugar. Já tive de reconstruir a minha casa após o terramoto de 1980 e voltaria a reconstruí-la mil vezes se tal fosse necessário.
E fala do sol e da forma como a luz vai alterando os tons de verde sobre a Serra do Cume.
Pego nos argumentos dos jovens com quem me cruzei pela manhã e questiono-a sobre a asfixia que se pode sentir a viver numa ilha pequena.
Sorri como que esperando a minha questão, previsível e com a qual tantas vezes se debate. Atira-me decidida:
- O meu marido foi o melhor homem que já viveu algum dia sobre a Terra. Partiu há quatro anos de morte súbita e deixou-me com este táxi e dois filhos que eu vou acabando de criar. Nunca importa o tamanho do sítio onde vivemos porque a nossa terra será sempre o local onde fomos ou somos felizes. O meu é aqui por entre as memórias de vinte anos e falando tantas vezes com o meu marido à medida que o sol me muda as cores de um caminho tão previsível e que faço tantas vezes.
É a minha vez de sorrir.
Pois é… o amor faz sempre a diferença, dá-nos pátria e às vezes até de uma ilha consegue fazer um continente.
Os outros dois “meninos” ainda não tiveram tempo de aprender a lição.

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