Aquele abraço com gosto a céu

Na Lisboa de 2014 talvez seja difícil de acreditar que algures pelo inicio dos anos setenta do século passado, e estando eu a passar alguns dias em casa dos meus tios, me levaram de metropolitano até à estação do Parque para que eu pudesse ver e experimentar umas escadas rolantes.
As escadas rolantes a terem estatuto de estrela equiparável à Feira Popular ou ao Jardim Zoológico.
Senti-me então um herói a voar para o céu enquanto “mergulhava” naquelas estruturas metálicas que pareciam não ter fim, sempre por entre o ruído dos adultos, que ao estilo de coro de tragédia Grega, descreviam ao detalhe todos os mitos urbanos, como aquele da mulher que ficou sem coro cabeludo e morreu porque deixou que os seus longuíssimos cabelos se enrolassem nas escadas.
E o perigo a aumentar ainda mais a minha adrenalina e a dar um toque radical ao meu “baptismo” de escadas rolantes.
Estavas junto a mim quando ontem me recordei desta história, os dois muito próximos da estação do Parque.
Na esquina agora por ali à minha frente, o semáforo substituiu o bailado e o estranho rodopiar sobre si mesmo do Polícia Sinaleiro no cimo do seu arredondado “palco” de madeira; e já morreu o grito do ardina que por ali aproveitava a pausa na marcha dos carros para vender os vespertinos “A Capital” e o “Diário de Lisboa”.
Iguais àqueles dias, somente os inevitáveis e enormes Jacarandás floridos em tom intenso lilás de primavera… e eu a sentir-me destemido a trepar para o céu.
Talvez porque o céu seja em si mesmo uma manta tecida de muito simples mas perfeitos instantes, e também porque os caminhos para o céu são esses mutáveis atalhos à mercê das nossas maiores vontades, mas sempre na fidelidade a um eterno e imutável desejo: o sonho de ser feliz.
E perfeito é este instante de ter-te aqui a temperar de mel, por palavras e olhares, a cidreira quente que nos aquece na esquina fria de uma primavera vulnerável à chuva…
Como perfeito e com gosto a céu, é o destino que nos fez cruzar as rotas de tantas histórias e tanta gente, aqui onde os Jacarandás são hoje o tecto para o maior e mais sentido dos abraços.
Gostava tanto que este abraço não morresse jamais e pudesse atravessar Lisboa, connosco, por todas as estações e pelo tempo todo…
Um abraço ao jeito do céu em nós e na nossa vontade: eterno!

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