Sob o céu perfeito da primeira tarde de verão

O sol rompeu vigorosamente as nuvens, e Lisboa brilha assim sem pudor na primeira tarde de verão, fazendo emergir todos os tons garridos que lhe vestem o casario disposto em socalco pelas sete colinas que namoram irresistivelmente o Tejo.
Sinto um indescritível prazer na hora de “aportar”.
E uma cidade é muito mais do que apenas um espaço físico, é uma confluência de vontades.
Em Lisboa, hoje há balões coloridos no Príncipe Real que se elevam juntamente com o orgulho de quem não se verga perante as convenções e se assume inteiro em todas as suas diferenças.
A marcha do orgulho gay irá descer até ao Chiado que já “arde” de turistas de todas as nacionalidades e línguas, prova maior da universalidade da velha Olisipo.
Eu deixo o carro no Camões no parque por debaixo da estátua do poeta da “lusitanidade” e de um palco onde uma jovem banda afina uns acordes para começar um concerto rock, e não tarda, descerei a Rua do Carmo a ouvir as palavras de ordem que chegam do Rossio. Os professores apelam ao reconhecimento do seu trabalho e pedem dignidade na forma como são tratados pela tutela.
Já vou nos Restauradores quando os ouço cantar o Hino Nacional e o da CGTP em despique com alguém que afina as vozes no palco gigante onde mais tarde actuará o Tony Carreira.
Há uma horta semeada na Avenida.
A minha geração americanizou-se e, ao estilo do Epcot Center do Disneyworld de Orlando, na Florida, necessita do Continente para demonstrar aos seus filhos e netos, que as ervilhas não são umas bolinhas verdes que já nascem congeladas em sacos nas arcas frigoríficas dos hipermercados.
Há ovelhas no Tivoli, porcos junto à Armani, e na Prada… o diabo com essa verdadeira mistura explosiva das “galinhas” e do próprio Tony.
A inevitável Serenella grita como se não houvesse amanhã, uma “tia” confunde os frutos pequenos de uma macieira com tangerinas… e eu parto para o Bairro Alto onde me espera o jantar.
Ainda estão “viçosas” todas as marcas de Santo António nas vielas que “bebem” o som de uma outra banda que actua agora no Palco do Camões; e, por entre as bolinhas de alheira do meu jantar regado com um tinto Alentejano, não tardarei a sentir como as ruas do Bairro adoptaram e tornaram seus os pontapés dos jogadores do Gana que fizeram golos na baliza da velha Alemanha.
Vingança ou tão-só porque o verdadeiro diabo não veste Prada, mas veste uns casaquinhos a três quartos, todos coloridos e que lhe assentam como cuspo numa parede caiada.
Mais tarde deixarei Lisboa pela rota do Tejo e deixarei a cidade entregue a outros sons numa noite regada a vinho e cerveja.
Uma cidade é muito mais do que apenas um espaço físico, é uma confluência de vontades e a pátria onde cabem e são legítimos, todos os sonhos.
Por impulso do reconhecimento da diferença, da revolta, da reclamada dignidade… ou até da paixão alimentada pelas palavras de um cantor romântico que fala de amor.
Uma cidade…
Lisboa sob o céu perfeito da primeira tarde de verão. 

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