O sol e a liberdade
O
sol, persistente, conseguiu matar o smoggy,
e brilha intenso sobre Oxford Street
na hora em que paro para um café, ali algures por entre a multidão de fiéis do Big Ben, os rigorosos seguidores da
pontualidade com marca Britânica que circulam agora atarefados entre o almoço e
as compras nas lojas com nome e apelido, a sorrirem e em pelo gozo da liberdade
que não permite distinguir etnias, credos e culturas.
Não
tardará muito a que o mesmo sol me acompanhe, quando já para lá das nuvens, o
avião da TAP baptizado com o nome de Antero de Quental voa até Lisboa.
E
de Antero, um dos membros do quarteto dos nossos maiores sonetistas (Camões,
Bocage, Antero e Florbela, ao ritmo de um por século) …
Hoje sou homem, e na sombra enorme
Vejo, a meus pés, a escada multiforme,
Que desce, em espirais, da imensidade...
Vejo, a meus pés, a escada multiforme,
Que desce, em espirais, da imensidade...
Interrogo o infinito e às vezes choro...
Mas estendendo as mãos no vácuo, adoro
E aspiro unicamente à liberdade.
A
memória do poeta, a liberdade… e a Normandia ali mesmo por debaixo dos meus pés
na véspera da celebração dos setenta anos de um desembarque de tropas que
devolveu a liberdade à velha Europa.
A
História e os seus ciclos, o mundo e as guerras eternas que nos trouxeram de
volta a este ponto que expressa a necessidade de um novo desembarque de
liberdade numa terra que agoniza às mãos dos rácios da macroeconomia…
Um
novo desembarque de liberdade ao jeito do sol que brilha ainda sobre Lisboa no
exacto momento em que aterro paralelo ao Tejo, estrada azul de água louca de
amor pelo mar; instantes antes de percorrer a cidade de carro até ao Camões, e não
deixando de passar pelo Marquês e pela explosão lilás dos jacarandás em tempo
de primavera tardia.
Tenho
um jantar de aniversário e nem me deu tempo para antes passar em casa…
Mas
já não brilha o sol quando entro no Bairro Alto pela Rua do Norte e “mergulho”
na multidão que por entre o cheiro a manjerico, o festão colorido que une as
fachadas da viela, e a cor das sardinheiras; busca o fado e a sardinha assada,
agora com a assumida cumplicidade da lua em fase crescente.
Uma
multidão como a de Oxford Street e
que não tem etnias, credos e culturas, tão-só porque as tem todas.
E
o meu dia…
De
Oxford Street à Rua do Norte com a
cumplicidade do sol e por entre os aromas doces da liberdade numa Europa que
perde sentido e se descaracteriza sempre que a amputamos dessa mesma liberdade
e a reduzimos à pobre condição de apenas um continente.
A
Europa é definitivamente um encontro de gente no baile do sol e da liberdade…
em Oxford Street ou na Rua do Norte.
Acabei
a noite à conversa e a comer cerejas, com vista para as luzes da margem sul de
um Tejo que saboreia a lua mas que sonha com o regresso do sol para voltar a
brilhar de intenso azul.
O
Tejo… como a Europa e como a gente.
E como eu nestes dias que transpiram o perfume da liberdade e me
transportam para tão próximo dos sonhos de Antero.
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