A “irrevogável” leveza do ser

No tempo em que os animais falavam existia um galinheiro na quinta do avô Zé, que por esses dias e por necessidade foi alugado a uma empresa constituída pela D. Ângela, a D. Cristina e o Sr. José Manuel. Nesse dito galinheiro, e com estatuto de intemporal, existia há muito um galo já podre de velho e que quase não tinha forças para cantar quando rompia a madrugada, mas que mesmo assim acreditava ser ele o verdadeiro e real comandante das “tropas”.
Existia um outro galo mais novo embeiçado por uma anafada galinha pedrês e com vocação de moamba, que parecia emergir na hierarquia e ditar as regras, mas quem o observasse de forma atenta facilmente descobria ser demasiado vulnerável e influenciado por um peru que já tinha sobrevivido a dezenas de Natais, solteiro, fanfarrão e de verbo fácil, que se enrufava por tudo e por nada e lhe condicionava todas as atitudes, das mais pequenas às mais relevantes para a vida do galinheiro.
Fiel ao galo novo existia um outro “galito” mais discreto e que mal tinha forças para cantar, mas que tinha a nobre missão de controlar a quantidade de milho que cada um dos elementos do galinheiro podia comer, para além de controlar toda a produção de ovos que rapidamente encaminhava para os verdadeiros donos do galinheiro.
Este galo enfezado e por quem ninguém dava nada, era definitivamente o melhor amigo deste trio de gestores dos galináceos.
Num belo dia de verão, farto de ouvir das boas do peru e de todos os elementos do galinheiro, que cada vez comiam menos e viam as suas patas mais afundadas em dejectos ácidos e pestilentos, este “galito” operacional resolveu partir deixando órfão o galo mais novo que acreditava ser líder, exposto como nunca à mercê do bico afiado do peru que ainda por cima não gostou mesmo nada que este rapidamente tivesse substituído o débil galo controlador por uma galinha amarela que cantava muito ao gosto dos donos mas que para pôr ovos não era lá grande coisa. Dizia-se que por culpa de uma “herança tóxica” que carregava em si.
Vai-se o peru ao galo ameaçando-o de uma morte “irrevogável”, há grande reboliço no galinheiro, penas pelo ar, nomes feios gritados de parte a parte, o galo velho intervém enquanto a sua galinha velha rezava a um canto do galinheiro para que a paz voltasse, há um outro galo que é irmão do que detém o poder e que está “seguro” que é hora de atacar o dito, os três donos gritam histéricos para dentro da rede deste território de galináceos e, acossado, o galo, em nome de uma paz podre e para que as aves não acabem todas “leiloadas nos mercados”, não tem outro remédio se não dar todo o poder ao peru que passa a controlar tudo e todos.
O galo velho dá-lhes a bênção e volta para o recato do seu canto, para o seu delírio de poder e para a ambicionada reforma. Antes de adormecer ainda desabafa à sua galinha velha que já nem com panela de pressão daria canja:
- Já não tenho idade nem cabeça para isto.
E assim se comprova que “quando um peru histérico fica emproado, arrisca-se a ficar com o poder absoluto e vindo de todo o lado”.
O galinheiro continuou então o seu dia-a-dia de cada vez mais atasco nos dejectos, menos comida e mais ovos entregues aos donos em mais dias e horas de produção cumprindo-se o lema “galinheiro onde manda um peru quase sempre acaba com a miséria posta a nu”.
E definitivamente, ninguém foi feliz para sempre.
Qualquer semelhança desta fábula com um país real será pura coincidência, a não ser que ainda hoje os animais continuem a falar…
Pois…
Acontece quase sempre às vinte na hora do começo do telejornal.

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