Auto-retrato

Sou do campo mais do que de qualquer outro lugar. Cúmplice das searas, das estevas, do olival e dos sobreiros, filho de Vila Viçosa, não só uma terra, muito mais… uma pátria e um orgulho.
Mas também amo o mar… e Lisboa, maga, mestra de encanto, rainha do Tejo, mulher nascida assim na forma de uma cidade perfeita.
Com o pretexto de um café, sou viciado na presença dos amigos. Com eles se me solta a voz, e a alma, então escancarada, dita a verdade de todas as palavras.
E como eu amo as palavras…todas. As das conversas e as que nasceram para ser eternas, as escritas.
E às vezes na roda destes amigos, aceso o riso pelo atear do copo de um bom tinto lusitano, nasce a anedota, o trocadilho e a boa piada, o non-sense que quase sempre puxa à gargalhada.
Republicano, pacifista, democrata, optimista, ambientalista, acérrimo defensor da liberdade… acredito seriamente que o diálogo e o assumir da igualdade de direitos entre todos os Homens, são as únicas vias para um dia podermos chegar à paz.
Boticário, adoro o que faço e todos os dias sinto orgulho por poder ser indutor de melhor saúde e mais sinceros sorrisos nascidos nos rostos de quem sofre.
Emociono-me com o fado, a poesia, Pessoa e Sophia, uma peça de teatro ou um livro, Yourcenar, Oscar Wilde, Eça, o trinar da guitarra, Amália, o canto-chão nascido das vozes do meu povo e o adufe das Beiras tocado ao ritmo de um coração que bate.
O meu coração…
Tenho o vício da paixão e da adrenalina dos seus beijos. Sou romântico, não travo os suspiros apaixonados, escrevo infinitas cartas de amor e adoro o namoro feito dos pequenos detalhes que se dão.
Querem ver-me feliz?
Ofereçam-me um bilhete e por uma viagem façam-me sonhar.
E tratar dos sonhos é o que faço sempre que conduzo de encontro ao mar. O Atlântico ali pelas bandas do Guincho, com Cascais na retaguarda e o olhar preso na Roca, é um refúgio secreto, o meu cúmplice nas lágrimas e nas mais importantes decisões.
Detesto a mentira, causadora de um sofrimento maior do que o de qualquer verdade por mais dura que ela seja.
Tenho medo do sofrimento e da perda de autonomia, mais do que da morte e tento não desperdiçar nem um segundo dessa bênção que nos é dada por Deus: a vida.
E pela fé me deixo ir tentando sempre ser maior, não cedendo jamais à tentação de camuflar a verdade do que sou por mais “diferente” ou incómoda que ela seja. Com fé, acredito que somos nós que construímos o nosso próprio destino seguindo este rumo da coerência com o nosso ser.
Vibro mais do que nunca quando grito “golo”, e na Luz me abraço ao meu irmão no festejar das vitórias do nosso grande e eterno Benfica.
Sou teimoso e por vezes casmurro. Tentem lá mudar-me um plano? Irão por certo ver o que é um homem à beira de um grandíssimo ataque de nervos.
Com migas, açorda, sopa de tomate, sopa de cação, enchidos, esparregado, sardinhas, cozido à Portuguesa, feijão com mogango, melancia, cerejas, uvas, bitoque, leitão, lampreia, ovos moles, chocolate, queijo, sericá, pastéis de Belém, filhós, farturas, bolos fintos e muito pão… aconchego o meu estômago que não é nada de se ficar por dietas.
E mais…
Sei de cor os vencedores dos Festivais da Canção e da Eurovisão, sou fã das letras do Ary, fixo com facilidade todas as letras de canções mesmo as mais “pimba”, tenho a paranóia de comprar camisas e acho que tenho sempre muito poucas, a minha cor favorita é o azul, nunca entro para um avião com o pé esquerdo mas digo sempre não ser supersticioso, canto no duche e no meu top estão o “Sol de Inverno” da Simone e “O anzol” dos Rádio Macau, gosto de dançar, já não consigo imaginar o meu rosto sem barba, vou ao ginásio por prescrição médica, tenho a paranóia da pontualidade e não gosto de quem convive bem com os seus atrasos, detesto o formalismo excessivo e bacoco, abomino a gente que se faz passar por sonsa, um microfone ligado inspira-me na conversa, passo os serões ao lado do i-pad, já vi milhares de vezes o “Clube dos poetas mortos”, a “Música no coração” e “Quatro casamentos e um funeral”, gosto da Meryl Streep e das canções do Rui Veloso surpreendendo-me sempre com as letras e as rimas do Carlos Tê, nunca me abstenho nas eleições, sou alérgico à militância em partidos políticos, dizem que tenho boa memória e jeito para contar histórias, sou um bom confidente para amigos e amigas, adoro flores do campo e cravos e rosas vermelhas, vou todos os anos a Fátima e comovo-me sempre com o adeus, as longas viagens de carro sem rádio e sem música são sempre uma boa oportunidade para reflectir e me inspirar, adoro passear no campo e nunca resisto a puxar do coxo e a beber água em todas as fontes…
E bebo do amor maior do universo nesse mágico instante nascido de um beijo da minha mãe que me sorri como ninguém, a cada chegada, na coerência e na bênção de continuar todos os dias a insuflar-me vida.
Jamais alguém me saberá amar tanto assim.
Tudo isto vi de mim e da vida, numa manhã quente de Julho, frente ao espelho e no dia em que o imparável contador dos anos me faz atingir a fantástica marca de 47.
Com orgulho e sem depressão.
Um forte abraço para todos e até… todos os dias no Pomar das Laranjeiras.

Comentários

  1. Parabéns ,Um belo auto retrato pintado com a alma de poeta
    RUI PEREIRA

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  2. Belo e grande auto-retrato com ele todos ficamos a conhecer-te ainda mais e melhor.
    Um beleza que diz tudo sobre ti de forma magistral e como sempre com grande beleza, sentido de humor, piada e simplicidade.
    Grande homem sim e um exemplo a ser seguido por todos os que de alguma forma se cruzaram, se cruzam e se cruzarão, estiveram, estão, estarão na tua vida, que tem o prazer de ter a tua companhia e mais importante a tua amizade.
    Neste dia importante para ti celebra bem e com todos os mais importantes para ti.
    Celebra à mesa com aquilo que mais gosta, pois é um dos teus locais preferidos.
    Celebra em boa companhia este dia.
    Celebra a vida como tu sabes fazer e bem.
    Muitas felicidades e um dia cheio de tudo de bom e no melhor possível.
    Com um abraço grande.
    AR.

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  3. Um texto magnifico "borrado" a vermelho: muitos parabens "velho" um grande abraço.
    C Delgado

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