Reinventarmo-nos

Reza a história que Maria Pia de Sabóia, Italiana, rainha de Portugal por casamento com D. Luís I, era uma mulher com um apurado gosto pelo requinte e pelo luxo.
Visitar os seus aposentos no Palácio Nacional da Ajuda, confirma-o inteiramente e, no contraste com aquele que sabemos ser o nível de vida de um Português médio no final do Século XIX, compreendemos e aceitamos como natural, a revolução e a substituição “desta monarquia” por um regime republicado.
Abstraindo-nos por momentos das sedas e dos dourados, quando entregamos o olhar às janelas atraídos pelo azul intenso do Tejo, é impossível deixar de notar que há meio palácio por construir. Culpa da república e por certo da já crónica falta de verbas de que há muito sofre a nação.
Já visitei o Palácio em várias ocasiões mas hoje, sábado de verão abençoado pelo sol que induz a luz mágica de Lisboa, voltei para ver a exposição da Joana Vasconcelos, que espalhou a sua arte pelas diferentes salas da residência de D. Maria Pia.
Com tachos, tampões OB, ferros de engomar, talheres de plástico, gravatas, flores de plástico e outros materiais de natureza banal, a artista deu forma a peças de maior ou menor dimensão que me prenderam o olhar e que de forma natural me fizeram abstrair do luxo asiático que o gosto da rainha fez perpetuar naquele espaço.
Mérito maior da artista porque, afinal, a banalidade nunca subsiste à intervenção da verdadeira arte.
Aqui… e também na vida e no ciclo dos dias.
Tudo o que por vezes nos parece ser tão fútil e banal pode ter a harmonia e o poder das coisas grandes bastando para tal a arte de os alinhar e sintonizar com um destino de amor.
Foi necessário esperar na fila para entrar no Palácio e foi um gosto apreciar a heterogeneidade da pequena multidão constituída em muitos casos por famílias inteiras.
Foi fácil constatar que a grande maioria apreciava as obras e expressava-o sem os pudores por vezes tão típicos dos Portugueses na hora de elogiar o que quer que seja.
No final, uma pequena fila fez-me aguardar por vez para assinar o livro de honra da exposição. Num relance pelas mensagens dos que escreveram antes de mim, duas ideias principais: agradecimento e orgulho de Portugal.
Definitivamente estamos em pleno síndrome de abstinência de orgulho pátrio. As bandeiras do Euro 2004 já se desfizeram pela austeridade e já descoraram por acção da tão corrosiva Troika.
Apesar de sermos república há mais de um século, sempre que um novo governo toma posse, os salões da D. Maria Pia voltam a encher-se. Mesmo sabendo que apenas por momentos, pois os tomadores da posse vão depois dormir para os apartamentos no Heron Castilho ou as vivendas na Praia da Coelha, ficamos com a noção de que todos os dejectos humanos, por mais diferentes que sejam na sua natureza, nunca resistem a procurar os melhores recipientes receptadores, vulgo penicos.
E é sobre esta “miséria” que se nos impõe devolver o orgulho a Portugal.
Parece-me que a Joana Vasconcelos encontrou uma boa fórmula para o conseguimos.
Pode cada um por si achar que não vale nada, mas todos juntos e agrupados como deve ser, suplantamos tudo e todos.
Ao passar por uma das salas que antecede a Sala do Trono há um televisor envolto em crochet que transmite um Festival da Eurovisão. Quando passei por lá visionei o Festival de 1982, o do Bem Bom das Doce, e cantava Anna Vissy a representar Chipre com uma das minhas canções favoritas de sempre: Mono i Agapi (em Português: Apenas Amor).
Tudo bate certo então.
Apenas o amor, por nós e por Portugal, nos poderá encher os dias, arrancar a banalidade e devolver-nos o orgulho que como gente e como povo há muito merecemos.

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