O tempo e a vida

Chamava-se Inácia Isabel, era minha bisavó por ser mãe do meu avô materno, partiu muitos anos antes de a minha mãe ter nascido mas foi ela a inspiração para o nome de Inácia, acrescentado ao eterno feminino nome de Maria, com que a minha progenitora foi baptizada.
Conta-se que ia lavar a roupa da família para os ribeiros da Tapada Real e que passando no Terreiro do Paço em frente ao Convento dos Agostinhos, então um quartel de cavalaria, lavadeira denunciada pela enorme trouxa colocada em cima de uma burra, nunca negava aceitar receber e lavar a roupa dos soldados que já a esperavam ladeira acima, devolvendo-lhes a dita na hora do regresso ao fim da tarde.
Mulher de muita fé, diz-se que no seu percurso pelo campo, sempre que ouvia no campanário de uma ermida, o apelo de um sino a chamar para a missa, parava tudo e entrava porque segundo ela:
- A hora da missa nunca é uma hora perdida.
Foram muitas as histórias como estas que a seu respeito me foram passadas pela Tia Maria, também sua filha, nos nossos longos e agradáveis serões passados naquele tempo em que a televisão incomodava e se desligava, porque o importante mesmo era conversar.
Ilustrava-me a Tia Maria, o seu principio básico herdado da mãe, de que o tempo faz sentido se for utilizado ao serviço da vida, nossa e dos demais, bem como da fé e de tudo o que de importante acreditamos.
Na minha viagem de hoje na cumplicidade da auto-estrada, acorreram-me à memória estas histórias a propósito do acidente de comboio de ontem em Santiago de Compostela. Tudo indica que a morte de oitenta pessoas foi causada por excesso de velocidade.
Sinais dos tempos.
Hoje a métrica do “valeu a pena” não é a qualidade com que preenchemos o tempo e por ele crescemos e fazemos crescer os outros, é antes de tudo a aceleração que promovemos na vertigem de chegar mais rápido algures onde achamos que estará a nossa afirmação pessoal… e social.
E neste contexto, uma pessoa é muito inteligente porque tirou o curso em menos tempo, é bem sucedida na vida porque tem um carro que lhe permite acelerar de Lisboa ao Porto em pouco mais de uma hora, é um herói à mesa do café porque tem a hipótese de partilhar a adrenalina daquele momento em que duplicou a velocidade do comboio que dirige e que por acaso transporta centenas de pessoas.
Cinco minutos de um atraso são assim convertidos em oitenta mortes ao câmbio da futilidade e da violação do mais elementar dos respeitos que a vida nos merece.
Pode soar estranho, mas é um facto que urge recolocar a vida no centro da própria vida.
Só assim o tempo voltará a valer a pena.
Amanhã por ser dia de São Joaquim e Santa Ana, os pais de Maria, mãe de Jesus, será Dia dos Avós. Permitam-me que hoje e aqui, louve a vida pelos avós que me ofereceu e pelas sábias lições que eles me deram.

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