A gente e as cores

Na passada segunda-feira e quando se preparavam para concluir as suas compras na minha vizinha loja dos supermercados Pingo Doce, os meus pais foram confrontados com uma operadora de caixa que lhes pediu para identificarem o conteúdo de um dos sacos, o das favas frescas, pois a dita criatura que sabia manipular toda a maquinaria à sua volta e saberia por certo distinguir todo o arsenal de maquilhagem com que se tinha transformado naquela espécie humana de árvore de Natal fora de época; não sabia distinguir favas de ervilhas.
Fui “desenterrar” esta anedota urbana da “filha do betão” que se pôs à mercê de um casal de alegres Alentejanos para ilustrar esta minha convicção de que os cérebros humanos (ou em alguns casos, a ausência deles) andam desfocadíssimos naquilo que deve ser ou não alvo de distinção.
Até aposto que esta criatura que não distingue vegetais tão diferentes no seu aspecto, sabe distinguir os Homens consoante a tonalidade da sua pele; porque não considero ser um acaso os recentes episódios que envolvem o arremesso de uma banana ao jogador Dani Alves ou o bloqueio à entrada do Nelson Évora e dos seus amigos numa discoteca lisboeta.
Perguntem a alguém que regressa a casa pelas duas da manhã se sente mais conforto a cruzar-se com um negro ou com um branco que até traz uma camisa da Façonnable?
Mas o branco até pode ser um serial killer
Perguntem a alguém se sente mais conforto por ver uma família de negros ou de brancos a mudar-se para o apartamento ao lado do seu?
Mas a família de brancos pode pertencer a uma associação criminosa…
Quem vê cores peca como quem vê caras e pensa ver os corações.
O mundo desprezou definitivamente o ser para se prender a irrelevantes detalhes como a tonalidade da pele, a religião, a posição e os círculos sociais, a orientação sexual, o poder económico…
Escrutina-se a gente com base na superficialidade e naqueles factores que até são no seu conjunto, uma prova viva da riqueza da humanidade.
Como se a casca valesse tanto ou mais do que o conteúdo…
E somos mais eficazes a fazer a distinção entre pessoas do que a distinguir favas de ervilhas.
No texto que publica sobre o episódio na discoteca, Nelson Évora puxa a seu favor o argumento de que entre esses negros estão muitos campeões de Portugal e muitos atletas que já elevaram o nome do país em provas internacionais.
Não tem e não deve usar este tipo de argumentos: era um grupo de pessoas, e já está.
Este tipo de argumentos manifesta quase sem querer uma complacência para aquilo que é inadmissível, o racismo e toda e qualquer forma de expressão em si enraizada.
Por isso e por palavras, dado que não gosto de bananas e como diabético não é recomendável que as consuma, sempre digo que sim, sou tão macaco como qualquer outro Homem.
Recordo-me de uma cena do filme “Cry Freedom” sobre o dissidente do apartheid, Steve Biko.
Quando o juiz pretende ter graça e lhe pergunta:
- Porque é que vocês dizem que são negros se efectivamente são mais para o castanho?
Ele responde:
- Pela mesma razão pela qual vocês dizem que são brancos e têm uma tonalidade mais para o cor-de-rosa.
Definitivamente a cor é irrelevante.
Manda a alma e o ser gente.

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