“O dedo fez-me cócegas”

Há uma fonte em pedra construída pelos Homens, um círio aceso ao lado de um altar debruado a flores; e a fé é água viva que corre pelos tempos atravessando gerações, e luz que alumia caminhos desenhados por inspiração do amor.  
Um dia, em 14 de Maio de 1982, em Vila Viçosa e à esquina da Casa dos Cantoneiros, juro que o meu olhar se cruzou com o de João Paulo II. Não foi preciso o dia de hoje para saber que nesse instante, como em muitos outros instantes em encontros com tantos anónimos sem altar, os meus olhos beneficiaram do privilégio do olhar de um santo.
E santos são sempre aqueles que nos desafiam a ser maiores.
Hoje, à hora em que subia ao altar o dono do olhar que me tocou algures pelos meus quase dezasseis anos; em Lisboa, os meus sobrinhos João e Luís, recebiam o baptismo, e eu, testemunho-o, e sou o mesmo ali entre a fonte e o círio, escutando a água e olhando a luz, reconhecendo em mim a mesma fé numa genética de esperança que me sai directamente da alma.
A esperança e a fé que jamais poderei explicar mas que são minhas como tudo o mais que sou.
A fé que recebi da herança de tantos santos, faz-se assim também uma herança da minha pobreza e simplicidade num instante de partilha numa das colinas de Lisboa, daquelas em que nos dias limpos e de sol beneficiamos do azul intenso do Tejo.
Ao seu ungido no peito, o Luís não trava a espontaneidade e diz alto:
- “O dedo fez-me cócegas”.
E as cócegas têm sempre o condão de nos fazer sorrir…
O dedo de um sacerdote que faz no peito um sinal da cruz, ao jeito do dedo de Deus num instante em que a de fé se solta como o melhor de uma herança que marca a vida.
O instante em que as cócegas atingem a alma… e nós sorrimos.

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