O Gólgota e o pesado caminhar da cruz

Na noite de Terça-feira Santa da minha terra, a paixão saía à rua na forma de um lento e compassado caminhar ao redor de andores envoltos em panos negros.
Santos sem rosto e sem nome, as trevas carregadas aos ombros dos Homens sobre o granito das calçadas em direcção ao Castelo, território de tantas lendas e mistérios onde a esta hora apenas reinavam as sombras, muito mais do que a luz ténue de um velho candeeiro pendurado algures na porta da Torre de Menagem.
Na noite desta minha Terça-feira Santa estou sentado no sofá da casa de onde espreito o mar, não caminho em direcção ao Castelo mas deixo-me levar pelas lembranças de uma conversa que a tarde me revelou no corredor do Centro Comercial por entre a alegria do reencontro com um velho amigo, um cúmplice de muitos anos.
Despedido aos 54 anos, reformado aos 57 no limite do subsidio de desemprego e sem qualquer outra solução de vida que não uma partida para Angola inviabilizada por uma terrível Anorexia Nervosa da filha que com 15 anos foi internada há meses com 25 quilos…
Os santos neste país têm nome e rosto, cruzam-se connosco pelas calçadas dos nossos dias sem que sejam levados aos ombros como os anónimos dos andores da minha terra. Estes santos caminham de pé carregando o peso de uma cruz enorme, de tal forma que não há “Cirineu” que lhes possa acrescentar alívio e lhes permita sorrir por entre as sombras de uma vida à luz de um esperança ténue e tão demasiado vaga.
Nem “Cirineu” e nem a honestidade e a história de um profissionalismo exemplar conseguem alterar a dor deste destino de uma Via Crucis tão cedo condenada ao inevitável Calvário.
O “Gólgota” conscientemente ignorado pela incompetência, ignorância e imbecilidade dos arremessadores de estatísticas cosméticas que são bóias para a sua sobrevivência: os políticos.
Bem sei que o domingo não tarda trazendo com ele a música, o retomar alegre do toque dos sinos, os aromas das giestas, do rosmaninho e de todas as flores do campo… para a Páscoa e para os altares onde os Santos voltarão a ganhar assento, rosto e nome, na despedida das trevas carregadas pelo negro tom dos panos.
Mas por aqui e para os santos que deambulam pela má fortuna, segue pesada a pedra de um túmulo onde se apodrece intensa e precocemente em convívio íntimo com a dor.
Esperança, precisa-se!

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