Basta tão-só querer muito


Há muito me habituei a escutar o vento que sopra forte ao redor de casa, por entre o silêncio que procuro e patrocina as palavras que vou escrevendo.
Às vezes paro e presto atenção ao ruido que se solta da lareira e que com o tempero da imaginação se converte rapidamente numa voz que sussurra estranhos ou doces segredos; talvez porque tudo pode ser muito mais do que o simples que é de verdade, tudo pode ser aquilo que queiramos que seja.
Basta tão-só querer muito.
Ontem enquanto recolhia a roupa que secara à janela e que eu estendera na véspera, caiu-me aos pés uma pequena folha de plátano com uma assumidíssima cor castanha, detalhe de Outono que o vento, que tantas vezes conversa comigo, fez subir até ao sexto andar do meu prédio e fez prender-se a alguma das minhas camisas.
Recolhi-a, apreciei-lhe a perfeição, e pousei-a depois no móvel da entrada junto a um dos presépios da colecção.
Continua lá depois de me ter proporcionado um serão com muitas palavras de Outono.
Os dias trazem detalhes que na aparência de um mero lixo que se sacode, são preciosidades que nos fazem sorrir, e nos oferecem palavras; da mesma forma que às vezes carregam as desilusões do nada que resulta de quem ou do que muito se espera.
A dor dos silêncios quando tanto esperávamos essas mesmas palavras.
Confesso que sobre estas incógnitas e surpresas que oferecem emoção ao acto de viver, gosto de me fixar nas primeiras e aproveitar a boleia de um plátano e do vento para eu próprio poder voar, sobre tudo e também por sobre as desilusões.
Não há muito tempo e num passeio de namoro ao fim da tarde, isso mesmo conversávamos sobre o tão pouco que é necessário para sermos felizes.
Basta tão-só querer muito.
E amar é querer até ao infinito.
Pensando bem, eu acho até que a folha de plátano com cor de Outono é um beijo teu que a noite me entregou por entre o desatino da saudade que sempre me oferece o luar… 

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