Os melhores dias para plantar flores


Há dias que apelam aos óculos de sol para que possamos camuflar aquela lágrima furtiva rematada pela alma e que não é defendida a tempo pelo autocontrolo que a razão sempre nos impõe envolto pelos panos opacos da discrição.
E por mais que alguém se esforce para nos fazer virar o pescoço e colocar o olhar de frente para o lado mais colorido e viçoso da vida, somos invadidos por uma crónica rigidez muscular que nos torna fieis a esse lado obscuro e lunar onde tudo é, ou pelo menos parece, negativo.
Nem as palavras, nem as memórias, as gargalhadas, nem o café quente aromatizado com açúcar…
A obsessão é total e nada parece eficaz como “relaxante muscular”, porque a cada argumento positivo que alguém nos apresente, nós respondemos com pelo menos dois em sentido contrário, dos tais que justificam este estado de espírito.
E a lágrima lá vem por aí acima.  
Acontece a todos e até aos melhores, e acontece muito particularmente quando saímos daquela zona de onde bebemos conforto por termos tudo segundo as regras apertadas que estipulámos para nós próprios.
Ontem ao final da manhã, em Vila Viçosa, e quando eu já quase não tinha argumentos para rebater esta espiral negativa de uma amiga, até porque a Sopa da Panela já estava em casa a arrefecer à minha espera por entre um intenso sabor a hortelã, “atirei-lhe” com aquele que é para mim um principio de vida:
- Quando saio de casa e me cheira ao esterco que alguém me colocou no tapete, aproveito porque esse é o dia ideal para plantar flores.
Ficamos nós muito bem porque temos flores frescas em casa, e irritamos sobremaneira quem nos deu o esterco na esperança de nos ver por ali martirizados eternamente pelo seu mau cheiro que atrai as moscas.
E assim pelo menos fi-la sorrir, tanto quanto pude ver para lá dos óculos de sol que serviam de biombo.
É que mesmo todos os dias são tempo demasiado curto para que nos rendamos a uma qualquer derrota.

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