Quatro letras e a mesma dimensão de amor e vida


Numa longa conversa ontem ao telefone com uma “velha” e querida amiga, fiquei a saber que recentemente e numa reunião de índole religioso e católico em que ela participou, dois indivíduos se envolveram numa discussão em que entre gritos competiam sobre as horas que um e outro dedicam diariamente à oração.
Se o diálogo inter-religioso não vai bem, digamos que o intra-religioso não vai melhor…
E Deus que já é tantas vezes apenas e só, um bom pretexto para arear visons ao domingo, até porque as igrejas costumam ser bem arejadas e cheias de correntes de ar; vira assim assunto de discussão ao nível de um penalti mal assinalado que se discute no balcão do café numa manhã de segunda-feira.
Presumo que estas discussões sejam aceites em fóruns religiosos, mas só a partir do momento em que se saiba que nenhum destes indivíduos é gay ou já cometeu o gravíssimo pecado de recasar, porque isso sim é que são atitudes graves na ofensa a Deus, apesar de envolverem honestidade e fidelidade ao amor por nós e pelos outros.
O resto, até mesmo esta banalização que reduz Deus ao estatuto de uma coisa mundana, não interessa nada; ou pelo menos parece continuar a ser bem aceite.
Não o faço muitas vezes, mas estando em Vila Viçosa no fim-de-semana passado, resolvi ir até ao cemitério, no Castelo, e passear um pouco pelas memórias dos “meus mortos”.
Sem qualquer intuito de natureza mórbida ou semelhante, começo por saudar a Florbela Espanca e deixo-me ir por entre corredores de lápides de mármores cravejadas de nomes e fotografias, pensando mais do que rezando quaisquer orações formais, deixando que os nomes façam aflorar à lembrança as histórias de muitos dias em que fomos felizes, os dias que me fizeram assim como gosto de ser.
Passo sempre pela memória da D. Joana, que por acaso até era ateia e foi uma das minhas maiores amigas e a pessoa que mais contribuiu para o formar da minha consciência social, e recordo sempre o pedido que ela fazia quando brincava a dizer que queria ser enterrada envolta em cartão canelado porque era o que mais tinha no armazém da livraria.
E saio sempre com a certeza de que não rezando, eu rezei, porque fiz ressurgir detalhes de um amor profundo com pessoas que em mim serão eternas porque jamais as deixarei morrer.
Voltando à discussão das criaturas…
Talvez lhes faça falta aprender que na vivência do amor, da liberdade, da paz e da verdade do que somos, se louva a Deus, muito mais do que com centenas de fórmulas debitadas em genuflexão perante os sacrários do mundo; e nessa perspectiva todos temos 24 horas disponíveis para a oração.
Mas isso aprende-se quando se vive Deus muito mais no íntimo do que na esfera de um adorno social…
Ou tão-só quando se vive o essencial, e é inevitável voltar à palavra que o define e que tem quatro letras, tantas quanto a dimensão da vida: o amor.

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