Douro

A estrada trepa pela alta montanha, e lá no cimo, no instante em que o olhar se entrega em exclusivo ao horizonte, vislumbro as coroas de granito em infinitas montanhas iguais a esta que me dá guarita e de onde eu espreito.
O granito de milénios, cinzelado e feito a voz dos Homens no perpetuar de tantas lendas.
Lá em baixo, a serpentear e a pintar de azul todos os recantos do vale, há um rio baptizado com nome de ouro, que das montanhas recebe a devoção do íngreme declive se deixar morrer, fazendo-se escada longa e de mil degraus por onde os deuses e os céus poderão descer para beijar a bênção destas eternas águas.
E nos degraus expostos sem reservas ao sol e aos aromas do rio, de certo por mérito e privilégio de Baco, cresce o vinho perfeito por entre arbustos e as amendoeiras que o tardio inverno fez tingir de branco.
Aqui e ali, nas curvas do caminho que se fazem mais generosas para o olhar no irresistível contemplar do rio, erguem-se nobres ou simples casas dos Homens, e alvas casas de Deus construídas pelo cimento de uma fé tão forte como o próprio granito.
Casas de Deus... e casas de Maria, Senhora Mãe de tantas devoções do nosso povo.
Caminhante solitário, sigo com o eco das palavras de Torga e com a alma presa ao privilégio do olhar que contempla uma terra assim.
Douro…
Tudo isto é perfeito e muito mais do que apenas um rio.
E talvez não seja necessário morrer para se sentir o paraíso.

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