PAULO JOSÉ

Os nossos dias eram sempre divertidos e repletos de boas e francas gargalhadas por entre as infinitas brincadeiras, embora algumas vezes sofrêssemos daquele mal de amuos que é típico dos amigos, algo que passava sempre e se resolvia numa questão de uns breves minutos.
Estávamos sempre ali entre a travessa do João Paulo, o Celeiro e a Praça; e nas férias grandes, quando tu ias para o Barreiro, sentíamos saudades tuas que tentávamos compensar com a troca de uns postais dos correios iguais àquele evocado na canção dos Rios Grande. Aí e em meia dúzia de breves linhas, tu falavas sempre das idas à praia e eu contava-te como ia a vida por aqui, e fazia-te um ponto de situação relativamente à caderneta de cromos que estivesse na moda e que poderia ser o “Vickie” ou “Homens, raças e costumes”, etc.
Tu voltavas sempre uns dias antes de as aulas recomeçarem e a tempo de pores em prática a tua grande invenção: as cábulas em harmónio.
Pela quantidade de matéria que tu colocavas em letra minúscula naqueles pequeníssimos pedaços de papel, ainda hoje acredito que tu és o único Português capaz de cumprir essa impossível missão de colocar o Rossio na Rua da Betesga.
Éramos infinitamente felizes, mas os dias mais alegres eram sempre os do Carnaval, que começavam na escolha das indumentárias e das personagens a incorporar. E tu eras o maior porque tinhas uma máscara semi-transparente que era imbatível e até conseguias mudar o andar num exercício perfeito de camuflagem que te tornava irreconhecível quando desfilavas pelas ruas de Vila Viçosa e íamos fazer visitas aos nossos familiares que se riam muito de nos ver assim e que celebravam a alegria da nossa visita com a gentil oferta de uma filhós.
Lembras-te quando fugiste à volta da mesa da casa da D. Catarina porque alguém te queria apalpar os generosos “seios” para comprovar se eras uma rapariga?
E tu a defenderes heroicamente os dois pares de meias que davam volume à caixa do soutien.
Mas nem sempre conseguias fugir com eficácia…
Naquele dia em que fomos celebrar a Eucaristia com o Padre Armando para o Bosque de Borba, tiveste autorização especial para permanecer em tronco nu depois de não teres “fugido” a uma valente queda para dentro do lago.
Existiam também os serões passados debaixo da laranjeira da Praça quando comíamos os “Sameiros” da D. Catarina, o “perfume” das nossas conversas picantes de adolescentes que expostas agora na TVI poderiam passar à hora do almoço de tão inocentes que eram, as idas a Fátima em Setembro para o Animação Nacional com paragem em Abrantes para tu gritares o nome do Manuel por entre o eco do Mercado Municipal…
E um dia partimos…
Eu para Lisboa e tu para Évora seguindo a rota desse amor pela Paula que deu ao mundo e à tua vida, dois príncipes encantados.
Agora vemo-nos pouco e quase sempre começamos as conversas com a contabilidade dos cabelos brancos e das carecas; a propósito de carecas, lembras-te do tratamento à base de tutano de vaca com que besuntavas o coro cabeludo na esperança de voltar a ter cabelo?
Definitivamente não resultou… mas ninguém jamais se poderá esquecer do “aroma” desses dias.
Esses dias simples e simultaneamente perfeitos que tornaram infinitamente cúmplices as nossas Histórias, criando uma raiz profunda que torna eterna a nossa amizade.
Paulo, um grande abraço de parabéns com esta certeza de que até poderemos falar pouco e muito poucas vezes, mas gosto e gostarei sempre muito de ti.

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