Os desempregados e o Facebook

Cara Isabel
Bastas vezes alimentei a sua ideia fazendo-a minha, contribuindo dessa forma para que as refeições pudessem chegar à mesa daquelas pessoas para quem a vida é assiduamente madrasta.
Confesso que continuarei a faze-lo de igual forma, pela própria ideia em si, pela concretização da ajuda a quem mais precisa e por ter a noção de que há cada vez mais “enteados” à margem da própria vida.
As organizações estão sempre por cima de quem as lidera num determinado momento, e por isso, nunca será pelo facto de coleccionar os disparates com que nos vai brindando que eu deixarei de colaborar com o “seu” Banco Alimentar.
Depois da espantosa ideia dos “bifes” vem agora a Isabel referir que o mal dos desempregados é passarem demasiado tempo nas redes sociais, concretamente no Facebook.
Não me soou bem num contexto de caridade e fui por isso àquela que é para mim a referência da própria caridade, a Carta de São Paulo aos Coríntios, mensagem que acredito também não lhe seja indiferente; e por esse prisma da minha fé, que penso seja também a sua, fiz a leitura das suas palavras.
Depois de dizer que “Ainda que distribua todos os meus bens aos famintos e entregue o meu corpo para ser queimado, se não tiver caridade, de nada me aproveita”.
São Paulo vai continuando…
A caridade é paciente
Os desempregados que vão ao Facebook não são os culpados da crise, são as vítimas dos empresários e dos políticos para quem a Isabel é bem mais paciente e tolerante.
Não a ouço “falar grosso” para cima e para os lados, só para baixo; e isso é demasiado fácil. A História não está reservada a quem pisa nos que já estão no chão mas sim nos que pegam na espada para falar com os poderosos e fazer levantar os outros.
E aí a Isabel…
Quando os banqueiros nos mandam aguentar e os políticos nos sobrecarregam de impostos vem falar no Facebook dos desempregados…
E o BPN e o BCP? Tem alguma coisa para nos dizer?
Sabe, eu às vezes vou ao Facebook e encontro por lá amigos e colegas que estão desempregados. E sabe o que é que eu faço? Animo-os e converso um pouco com eles, dou-lhes pistas, contactos, etc. Sabe porquê? Porque os seus amigos, muitos dos quais foram seus colegas na Universidade Católica em cursos de luxo, não os escutam, não lhes dão oportunidades e mandam-nos para as longas filas do Centro de Emprego onde as pessoas sérias e honestas são tratadas como marginais.
Porque não faz o mesmo com os seus amigos desempregados?
Ah claro, não tem.
A caridade não é altiva nem orgulhosa
Quando lhe voltarem a pôr um microfone à frente, tente não falar muito dos “pobres”, é que não é por ser gestora de uma “plataforma logística de caridade” que a Isabel fica a saber como eles vivem.
É que não sabe mesmo.
E depois, a Isabel e as suas amigas “tias” que chegam da Quinta da Marinha para pegarem nos megafones em dias de recolha de alimentos, anunciam apenas as toneladas da caridade dos outros.
Vir dar conselhos aos “pobrezinhos”?
Contenha-se, guarde a sua altivez para quem de direito e poupe-nos a esta figura triste que faz de si um genérico da Madre Teresa de Calcutá, mas assim daqueles genéricos muito manhosos e sem bioequivalência.
Quando eu era criança, falava como criança, sentia como criança e pensava como criança. Mas quando me fiz homem, deixei o que era infantil.”
Sempre aproveito a deixa para lhe dizer que quando a ouço falar assim, me recordo de “quando eu era criança”, naquela altura em que o Salgueiro Maia tinha passado pelo Carmo há muito pouco, e uma senhora da minha terra se lamentava de que os Natais agora não faziam tanto sentido, pois ela já não tinha à-vontade para oferecer camisolinhas aos pobres em nome do Menino Jesus:
- É que vou por essa rua acima e já toda a gente tem sofás e televisão.
Pois…
Eu fui dos que comprou sofás nessa altura e passei a dispensar as “camisolinhas”. E talvez por isso e porque tenho memória, agora que me fiz homem, não leve a mal, mas é que não consigo mesmo tolerar essa sua altivez de “Mestra em Pobreza” no regresso à “caridadezinha do chá e da canasta”.
Não leve a mal esta missiva que já vai longa mas sabe, a revolta impôs-me que a escrevesse, afinal de contas também diz São Paulo: “a caridade não se alegra com a injustiça, mas alegra-se com a verdade”.
E a Isabel foi tão injusta para com os desempregados…
E eu senti a necessidade de escrever da mesma forma que sinto a necessidade de alimentar a sua ideia e faze-la minha, um dia destes em algum supermercado perto de mim.

Comentários

  1. Obrigada Dr.Joaquim Barreiros! Se há pessoa com quem trabalhei e muito aprendi, essa pessoa é o senhor. Sempre admirei a forma simples com que trata os seu colegas e a sua sempre generosa contribuição com conselhos e conhecimentos. Hoje, na condição de desempregada (desde o final de Janeiro) sinto necessariamente com maior sensibilidade estás suas palavras. Não estou nesta condição por gosto, mas porque a actual situação económica assim o ditou. Não me conformo com uma vida dependente de subsídio, ainda que a ele tenho direito por lei. Muito estou a lutar para inverter esta situação. E, realmente, a Isabel Jonet já me cansa com tanta baboseira. Não que o trabalho do banco alimentar não seja meritório. Sem dúvida que o é. E eu procuro sempre contribuir, tendo porém grande consciência de que Eng. Belmiros e demais sejam os que mais lucram. As lojinhas de bairro podem ser uma belíssima solução! Seria muito interessante ouvir a Isabel falar das famílias a quem de forma tão generosa entrega bens alimentares (muitas vezes adquiridos por pessoas que contam os cêntimos para chegar ao final do mês). Se calhar, muitas dessas famílias, e sem querer ferir quaisquer susceptibilidades, são muitas vezes subsidio dependentes e nunca nada fizeram em prol da sociedade que os sustenta. Eu sou desempregada, utilizadora activa do facebook, uma rede social que muito me ajuda para me manter em contacto com diversos amigos. No meu caso, de forma sempre discreta, uma ferramenta para partilhar emoções e sentimentos. Bem haja pelas suas palavras.

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