O cortejo dos “distraídos” por entre a gente descontente

O olho gigante do Big Brother segue-nos para todo o lado e, apesar de me incomodar, não estranho receber uma mensagem no telemóvel vinda da ZON durante as férias dizendo que há cerca de um mês não ligo a box, predispondo-se a dita fornecedora de serviços na área do audiovisual, a prestar todos os serviços de manutenção que o equipamento possa exigir.
É ainda a FNAC que me convida a comprar "acessórios culturais" quando estou muito tempo sem usar o cartão, ou a Nespresso que sabe pelo número de cápsulas que compro, quantos cafés já preparei, e que provavelmente a máquina já necessita de uma revisão.
Quando entro no sítio da Amazon na internet, para além de me tratarem pelo nome e me saudarem, chamam-me sempre a atenção para os livros de marketing farmacêutico mais recentes ou para algum CD ou DVD da Eurovisão que chegou às bancas nos últimos dias, numa demonstração de Customer Relationship Management, em Português, Gestão da Relação com o Cliente.
Estas situações promovem à escala planetária aquelas a que nos habituámos nas nossas terras quando chegávamos um pouco mais tarde a casa e uma vizinha nos dizia:
- Quim vai para casa que os teus pais já se deitaram há meia hora.
Ou ainda quando uma vizinha nos diz na mercearia pela manhã enquanto compramos o pão:
- O teu sobrinho chorou às três da manhã mas depois do pai e a mãe o terem passeado pela casa lá descansou.
Portas, paredes com má insonorização, chaminés e janelas, faziam então as vezes dos computadores, em situações que nunca levávamos a mal pois quando nos ouviam chorar, essas mesmas vizinhas também nos batiam à porta para nos consolar e ajudar, numa perfeita demonstração de amizade e solidariedade.
Mas voltando à aldeia na actual escala global, é demasiado fácil perceber quais são os gostos e as ambições das pessoas, sobretudo identificar as coordenadas relativas às suas necessidades mais prementes.
Iniciada a Campanha Eleitoral para as Eleições Autárquicas tenho a sensação de que só os políticos não conseguem fazer esse diagnóstico pois assentaram estratégias e mensagens no tradicional, abusando do deja vu e esquecendo-se na grande maioria dos casos, daquilo que hoje em dia um cidadão mais necessita da sua Câmara Municipal ou da sua Junta de Freguesia.
O país não é o mesmo de há quatro anos, as pessoas estão numa situação muito pior com níveis elevadíssimos de desemprego e claras dificuldades para pagar as contas e sobreviver…
Notam alguma diferença nos cartazes, nos panfletos ou nas atitudes dos candidatos?
Não.
Parece que alguém anda a oferecer terços, coisa que ainda não me chegou à mão, mas bonés e balões já tentaram oferecer-me.
Na situação em que o país se encontra e perante o desespero das famílias, estas atitudes resultam tão pertinentes e sensatas como promover um espectáculo de Ranchos Folclóricos na morgue de um hospital.
E o abuso da frase “primeiro as pessoas”?
Confesso que me causa alguma irritação cutânea, pois é tão óbvia como dizer que quando vou de Lisboa ao Porto de automóvel sigo por uma estrada.
As “pessoas primeiro”, para quê? Como?
Fazendo-lhes mais estradas? Rotundas? Promovendo a habitação? Desburocratizando os serviços municipais? Aumentando os apoios sociais? Promovendo a cultura?
Sendo eleitor de Sintra, dou-me ao trabalho de ler os manifestos eleitorais dos que buscam o meu voto, e, confesso, é de ficar deprimido. Balelas e frases feitas.
Dá-me a sensação de que os candidatos se focam uns nos outros, nos debates e nos confrontos, esquecendo-se do meio desse círculo fechado, dos eleitores, das pessoas. Das tais pessoas.
Um candidato meu amigo com quem falei outro dia até me confidenciou:
- Eu sigo o meu caminho sem dar atenção ao que as pessoas dizem nas redes sociais.
Pois…
Quando outro dia aqui critiquei os políticos e as eleições, logo um conterrâneo anónimo me informou de que para ter direito à minha opinião eu teria de entrar na corrida às eleições, entrar no tal circuito dos “eleitos”, alcunhando-me de salazarista quando era ele quem estava a querer privar-me dos meus direitos de cidadão e estava a praticar a discriminação de opiniões tão ao gosto de Salazar.
É a democracia da frase feita porque o objectivo central de um político é a eleição, a vitória fabricada na cosmética de um momento, mais do que o verdadeiro serviço ao eleitor.
Abrir os olhos e usar de bom senso não lhes faria mal nenhum.
E nós agradecíamos muito.

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