Alho Francês à Brás

Chega sempre o dia em que o “simples”, por insistir tanto no realçar da sua simplicidade, se revela vaidoso; sendo afinal a simplicidade, apenas mais um dos argumentos que compõem o pedestal em que se coloca a si próprio, no centro da “rotunda” onde quer que tudo gire, o ciclo contínuo do culto despudorado do seu ego.
É no mesmo dia em que o desprendido de bens materiais se “embrulha” em roupa de marca e compra móveis com nome e apelido, para decorar a sua casa; o "servo" veste a alva descartável da sua "santidade" e se coloca no altar da vaidade, ofuscando assim o Senhor da sua fé; o "caridoso" trai o seu gesto pelo reconhecimento ou recompensa humana ou divina que acredita estar à sua espera; "auto-proclamados" amigos e amores são denunciados pela indiferença que é marca da gestão dos dias feita apenas ao ritmo dos seus interesses...
O “modesto” suicida-se pelo abuso do veneno do “eu já sabia” e do “eu sei”; o “puro” e o “limpo” não resistem a sujar-se, colocando a mão e o corpo todo na massa que lhe acena à ambição; o “democrata” se mutila pela intolerância e a obsessão no impor das suas vontades; o “respeitador” apela à amnésia e à falta de inteligência dos demais; e o “desinteressado” vende a alma a todos e também ao diabo.
Assim, bem-vindos ao mundo encantado do bem parecer, dos “bonzinhos” e das ilusões tornadas ciência por via do Marketing Pessoal; o comboio imparável alimentado pelo motor da ambição desmedida e onde há monstros escondidos por detrás de anjos, príncipes e princesas; o território onde esvoaçam em vão, ténues véus da moral a tentarem esconder despudorados, desavergonhados e muito bem patrocinados orgasmos… o circo rasca e barato onde há uma profusão e um infindável filão de caracteres fraudulentos muito piores que palhaços.
Há gatos muito mal escondidos e com rabos demasiado expostos no reino da aparência, esse apátrida e universal local onde a mulher de César se esquece de o ser, investindo apenas no muito bem parecer.
Como se bastasse um equipamento sofisticado de ginástica para se poder ser maratonista e correr um pouco mais de 42 quilómetros, como se bastasse pôr um xaile negro aos ombros para se ser fadista.
A tatuada mentira mata a essência e dá-lhe uma nova e muito conveniente forma: a aparência; e viver é a arte de bem saber caçar as “bruxas” que esvoaçam e estão escondidas por entre os andores nas “sacristias” do social e do politicamente correcto.
Há alguns anos existia um prato vegetariano na carta de um restaurante que eu frequentava: Alho Francês à Brás. Não tendo qualquer pedaço de bacalhau na sua confecção, juro-vos que sabia mesmo a Bacalhau à Brás.
O bicarbonato de sódio quando utilizado na cozedura dos legumes acentua-lhes o tom verde.
Há iguarias que são demasiado aparentadas com as pessoas.
E para estas, o melhor antídoto é a intolerância.
Pode ser tomada diariamente, com ou sem alimentos, nas doses que forem necessárias e sempre à hora que dê mais jeito ao freguês.
Pode ser cara e pode ter alguns efeitos secundários, mas eu garanto eficácia total e o benefício de sonos altamente reparadores. 

Comentários

Mensagens populares deste blogue

O MUNDO MAIS BONITO E CONFORTÁVEL NUM TEMPO A CHEIRAR A FLORES

“Quando mal, nunca pior” ou a inexplicável rendição à mediocridade

TESTAMENTO DE UM ANO COMUM