Os pés

Há doenças raras que tornam as pessoas super especiais.
É um rapaz único e raro que brinca hoje à minha frente enquanto estou na sala de espera de um hospital. Há espaço e o pai ensina-o a caminhar começando pelo princípio: a forma correcta de colocar os pés.
A criança que terá uns três anos já dá os primeiros passos, e procura-me com o olhar e o sorriso na hora de os celebrar abraçado ao pai que a cada pequeno conjunto de passos lhe oferece um beijo.
Percebo que esta criança vai um dia caminhar sozinha e feliz, percebo-o na sua alegria, no amor que a envolve e também, e muito, na perseverança do pai.
Sinto-me pequeno perante tanto amor assim à solta à minha volta nesses instantes em que aquilo a que tantas vezes chamamos problemas adquire o estatuto de ridículos pedaços de quase nada.
Não tarda a que o rapaz siga para a consulta montado agora no carrinho onde descansa, e eu faço-lhe adeus.
Juro que sei que ele vai andar.
Estou em Coimbra e a Universidade atribuiu hoje o título de Doutor Honoris Causa ao Dr. António Arnaut, o mestre que criou em Portugal o Serviço Nacional de Saúde.
No discurso de aceitação, o jurista de Coimbra, por entre muitas palavras sábias, refere as suas origens na Cumieira, uma aldeia da zona de Penela e uma terra onde segundo ele “havia muito poucos sapatos, mas havia pés e por isso se caminhava”.
E nós para podermos caminhar, precisamos muito mais dos pés do que dos sapatos.
Um mesmo dia, e os pés e os passos a virem ter comigo algures à beira do Mondego.
E duas lições na velha Coimbra…
O amor faz-nos caminhar por sobre tudo e por sobre todas as adversidades.
Podem tirar-nos os sapatos todos que mesmo assim não nos conseguirão deter. Caminharemos descalços… e sabendo que mesmo descalços, também conseguimos dar pontapés, na pouca sorte e nos imbecis que nos descalçam.
Quem é que ousa dizer que os dias mais simples não falam connosco?

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