Perder

Gosto de perder-me, muito mais do que perder.
Perco-me no instante de uma paixão porque instintivamente deixo de ser eu e passo a ser muito maior por impulso dos abraços, dos beijos, das palavras de amor, dos instantes perfeitos em que a alma se eleva até ao sonho e eu sinto prazer.
Perco-me no olhar, nos gestos e no discurso simples e puro de uma criança, o tudo que me devolve assim aos dias em que eu também fui criança. E depois, quando “acordo”, sinto que me perdi no menos que era antes para passar a ser um adulto muito melhor.
Perco-me num abraço e no beijo dos meus pais, esses tácteis insuflares de amor que me acrescentam vida.
Perco-me no campo por entre os aromas todos, o generoso canto dos pássaros, a liberdade que o meu olhar conquista para lá dos horizontes, mesmo aqueles que às vezes parecem impossíveis. E perco-me no pobre que era para passar a ser dono do mundo.
Perco-me à mesa dos amigos, no riso das anedotas por entre os abraços, nas cumplicidades por sobre esse mesmo riso e também por sobre a dor. E perco-me tantas vezes para deixar nascer um “eu” muito mais feliz.
Perco-me e sou infinitamente melhor nos instantes em que sinto a fé.
Perco-me numa viagem, na vertigem de uma obra de arte, numa música, numa canção, na poesia, num livro, num filme, na voz de Amália, num copo de tinto, num pedaço de pão-de-rala, numa sopa de tomate, num café com gelo numa praia a olhar o mar…
Perco-me no racional que sou quando festejo aos saltos um golo do Benfica, meu eterno amor, no calor da emoção da imensa Luz e num abraço com o meu irmão.
E às vezes também acontece perder, na vida, em tudo e também no futebol, onde se perdem jogos, campeonatos e taças.
Mas o que é isso de perder comparado com o prazer de me perder?  

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