O castelo e a poesia

É certo. Não é forçoso que saíamos de nós para que se solte a poesia.
Dentro de mim há um castelo imenso que é guardião de um tesouro maior, a memória; essa mesma que se espraia sem amarras na varanda do pensamento, num cortejar permanente com os sonhos que se libertam das vontades da minha alma.
E nestes dias assim tristes de uma chuva que corporiza a traição do sol à primavera, eu sento-me aqui sozinho; sem palavras, sons ou outros sinais de gente… e fechando os olhos espreito para mim, vendo pelas frestas e guaritas abertas na fria e racional consciência, esse doce namoro de memórias e sonhos.
O passado entrelaçado ao futuro, os dois libertando “açúcar” sobre o presente.
Um privilégio só meu mas com tanto… com tudo de ti.
Juro-te, um dia far-se-ão curtos os caminhos para o tanto que os percorreremos juntos, serra acima; conhecendo de cor os detalhes das veredas, das árvores, das ribeiras e das flores que são bênção de cada uma das quatro estações.
Juro-te, existirá um dia em que, por tê-lo colado ao meu, não sentirei saudades do teu olhar; o dia em que os lábios acudirão de imediato ao primeiro e ainda breve impulso de um beijo.
Juro-te, chegará esse dia em que as minhas mãos cessarão a espera com gosto a eternidade, segurando as tuas por entre o aroma das estevas, o ouro das giestas e o inédito toque lilás que oferece ao campo o rosmaninho.
Juro-te…
Existirão dias e dias que calarão este mito de sermos de uma só tarde, amantes de um fugaz anoitecer.
O anoitecer pai das memórias que dançam com os sonhos na varanda de um castelo, aqui bem dentro de mim, nestes dias em que não preciso de mais nada, nem do sol ou da primavera, para que se solte a poesia.

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