As flores do amor são definitivamente as rosas

Por vezes interrogo-me se nós os que somos orgulhosamente guardiões de memórias, somos assim por um qualquer instinto ou detalhe genético, ou então por termos sido treinados ao longo da vida através do convívio muito próximo com grandes mestres.
Numa terceira via, será possivelmente a confluência dessas duas razões a ditar-nos o gosto.
Mas no meu caso concreto e no que ao convívio com os mestres diz respeito, há muito que contar…
Na sequência dos serões passados a dois na velha casa da Rua de Santa Luzia, sem televisão, à conversa e no meio de infinitas histórias; a Tia Maria ofereceu-me um pequeno álbum onde durante anos guardou as suas recordações escritas, na maioria, postais ilustrados e com letras denunciadoras de afectos, amizades e amores mais ou menos felizes.
Trouxe este álbum para a minha casa, ajeitei-lhe e colei-lhe as folhas, e às vezes vou dando uma espreitadela apreciando os tons pintados das fotos quase sempre de casais em poses românticas, e também as caligrafias desenhadas com um rigor de fazer inveja a qualquer um.
As mensagens reportam na grande maioria aos anos trinta do século vinte, a década em que a tia, nascida em 1909 andaria exactamente pelos vinte anos, e uma década em que os meus pais não eram sequer nascidos.
Com a subtileza e o pudor próprios da época e de uma rapariga com uma reputação intocável, é interessante notar como os verbos, os adjectivos e todos os demais pedaços dos pequenos parágrafos, são diferentes dos de agora, por vezes demasiado barrocos e enfeitados; mas todos os sentimentos por detrás das palavras são universais e persistem ainda hoje no coração de todos os Homens.
E no que diz respeito ao amor…
Há sempre a alusão ao paraíso, ao destino, à felicidade e ao perfume doce e perfeito de uma flor.
E as flores do amor são definitivamente as rosas.
Depois, fecho o álbum e devolvo-o à estante onde habita no meio de muitas outras memórias, ali na minha casa que dispensou sempre decoradores para ser um repositório de peças que podem não ter nada a ver umas com as outras e nem com o padrão vigente no gosto do Século XXI, mas têm todas uma história para me contar ou me recordar.
Então, vou eu depois escrever as minhas histórias, ponho palavras na poesia dos sentires e deixo-me ir exactamente pelas palavras, com a responsabilidade acrescida de saber que elas nos sobrevivem e são definitivamente uma herança do melhor de nós.
Um dia, quando eu já não for mais do que simples alimento para a terra de onde brotam as rosas, que haja algum meu herdeiro coleccionador de memórias, capaz de olhar para essas mesmas rosas, e por mérito das minhas palavras, se lembre do seu próprio amor, e quiçá lhe mande um beijo.
E o meu amor por ti?
Persistirá nas palavras e será sempre bem maior do que a minha própria vida.

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