PEDRO MIGUEL

No álbum mais antigo das relíquias fotográficas que guardo aqui em casa há uma foto de nós os dois na Corredoura, no passeio em frente à loja do teu pai e ao café do Sr. Cândido, o “Café Regional”, em que seguramos a tampa de uma caixa de lençóis com a reprodução de um retrato da Maria Antonieta, a austríaca, filha da Imperatriz Maria Teresa, que se fez Rainha de França por matrimónio com Luís XVI, e que antes de perder a cabeça se encarregou de demonstrar que não perdia grande coisa, pois quem diz ao povo para comer brioches no caso de não ter pão…
Mas estamos muito bem na foto que data do verão de 1975, aquele famoso e quente do “parto da liberdade”, sobretudo porque aquele território ali representado foi a nossa corte, o espaço onde fomos imperadores e dominámos o tempo com cumplicidades e gargalhadas que jamais deixarão de render uns valentes sorrisos sempre que espreitarem à janela mais exposta da nossa memória.
E às vezes também perdemos a cabeça, mas também isso era próprio da idade.
Na livraria da D. Joana, para além de lermos a “Tele Semana” atrás do balcão em pose de locutor como se estivéssemos em directo na RTP, dos muitos livros que podíamos ler, “bebíamos” a magia que nos inspirava para depois irmos para o “celeiro” e para a travessa fazer os nossos clubes de aventuras e as nossas muito próprias edições do “Festival da Canção” e de “A Visita da Cornélia”.
E aí, desde imitar a Simone a cantar “A Desfolhada” com uma letra numa mistura de palavras entre a versão original do Ary dos Santos, e as nossas próprias palavras; imitar a D. Dada de “A Gabriela” que achava sempre estar um pouco mais cheiinha; ou até fazer uns telefonemas anónimos em nome de uma tal “Claudete” que tinha o hábito de os fazer em “O Astro”, digamos que valia quase tudo para nos podermos rir com gosto. E tu eras o mestre, mesmo sendo o mais novo do grupo.
Riamo-nos na missa de São Bartolomeu quando acolitávamos o padre e nos entravam aqueles “ataques” inexplicáveis só porque alguém gritava um “ámen” um pouco acima do tom e muito fora do tempo correcto, quando jogávamos às cartas, ao “Cames”, e tu não conseguias encontrar um sinal mais discreto do que caíres da cadeira, quando vendíamos calendários das missões anunciando-nos às campainhas como vindos das “Missões Franciscanas”, não dizendo sequer uma só palavra quando nos abriam a porta pois o riso era incontrolável…
Já não nos rimos tanto quando acabámos trancados na tua dispensa ou quando tu tentaste voar da varanda até à cozinha rasgando o tecto numa operação que qualquer 007 não desdenharia poder realizar nas telas da sétima arte.
E tantas outras histórias haveria para contar, episódios que contamos e recontamos, e que ainda hoje nos fazem rir sempre que nos sentamos à mesa do café para “actualizar os ficheiros” relativos aos nossos dias, que continuam afortunadamente repletos de cumplicidades e de afectos, dando uma sequência de amizade que muito me orgulha, a esse tempo em que crescemos juntos e em que fomos imperadores envoltos pelo fausto privilégio da maior alegria.
Porque podem sempre ter passado muitos meses e até anos, mas quando nos sentamos frente-a-frente, tantas vezes na nossa Vila Viçosa, sabemos sempre por onde retomar a conversa, e nunca nos faltam assuntos.
É assim que sempre acontece com os amigos e por isso tu não poderias faltar por aqui nesta galeria de “notáveis” que eu celebro durante 2014.
Pedro, um fortíssimo abraço de parabéns.

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