Ginja, brinhol e gargalhadas

Quando a banda filarmónica deu os primeiros acordes no cimo do coreto já quase todos tínhamos dito “presente” e poucos faltavam no Largo dos Capuchos.
Cumprir uma tradição?
Não. Verdadeiramente a necessidade e o prazer de estarmos juntos nem que só por uma noite. Um verdadeiro atestar de amizade na Área de Serviço dos Afectos.
E a tradição é apenas gostarmos muito uns dos outros.
No palco decorria um tributo à Daniela Mercury e à Yvette Sangalo com a voz de uma brasileira, produto genérico e muito mais barato do que as duas vozes originais, a encher o ar de um som estridente que é tão pertinente por aqui como o “ouvi um passarinho” nas ruas da Baía.
Quim Barreiros, volta. Estás perdoado.
Mas nem a “esgazeada” cantora nos calou a voz, para que entre todos os beijos e abraços soltássemos a memória e actualizássemos todos os dados que oferecem a tranquilidade de sabermos que nos outros 364 dias, nas nossas respectivas vidas, todos estamos bem.
Também nos rimos muito. De nós, claro.
São as rugas que nos tornaram definitivamente parecidos com os nossos pais e avós, o excessivo volume corporal de uma amiga que funciona como anti-depressivo e nos deixa a todos muito contentes e a conviver melhor com as nossas novas e avantajadas formas, é aquela que tendo ganho volume extra e querendo tornar-se tão sofisticada e jovem, aproximou definitivamente a sua figura da Lidia Barloff e se subisse ao coreto para cantar o I will survive, ninguém diria não ser o original, são as próteses e os implantes dentários que assentam melhor a uns do que a outros mas que definitivamente nos marcam o sorriso, são as tintas e os tons escolhidos para os cabelos que nos aproximam dos personagens de “A Guerra das Estrelas”…
E por ser festa, não me recordo de ninguém ter falado das dores, dos “bicos de papagaio”, das pontadas nas costas, da diabetes e da hipertensão, amigas recentes que já convivem connosco nas nossas vidas e que nós tentamos esmagar a comprimidos.
No final da noite, já depois de termos visitado todas as igrejas e antes do fogo preso que começou fraco mas acabou em grande, sentámo-nos como manda a boa tradição alentejana e entregámos os nossos corpos à ginja e ao brinhol, que por aqui é o nome dado às farturas.
A graduação alcoólica da dita ginja pôs uma amiga a não conseguir levantar-se da cadeira e ajudou a que todos soltássemos as gargalhadas com maior intensidade num verdadeiro doping de festa.
Memórias à solta…
Quase sem darmos conta passaram 28 anos desde que a Manuela e o Zé Maria começaram a namorar aqui pela Festa dos Capuchos.
Vá lá mais uma ginja.
À saúde e à vida que agora já contamos em décadas.
E à amizade, que essa sim é a razão de estarmos aqui.
Depois do fogo-de-artifício subimos juntos até à Avenida pelo lado do Convento da Esperança numa altura em que o final da fila para a casa de banho das senhoras já “batia” na parede da Praça de Touros.
Prolongámos a festa e as gargalhadas enquanto nos cruzávamos com os “filhos da nossa geração” que iam agora para os Capuchos começar a noite, com as raparigas a fazerem do asfalto uma verdadeira passerelle e a desfilarem os seus modelos comprados na Zara de Badajoz. A média etária dos que deixávamos então os Capuchos era de 50 anos e a dos que chegavam rondaria os 18.
Claramente duas gerações e a certeza que me deixa imensamente feliz: os Capuchos serão eternos.
A bem da amizade e do orgulho de ser Calipolense.

Comentários

  1. Confesso que esta invasão de musica barata Brasileira pelo nosso Portugal, faz-me mal à minha pele.
    As nossas Aldeias, Vilas e Cidades são atacadas ferozmente, já o nosso Carnaval é uma vergonha, vejo verdadeiros desfiles que já nada têm de nosso,tanta pneumonia que devemos apanhar...
    Volta Quim Barreiros, estás mais que perdoado, com uma,duas ou trés ginjas até com a tua musica damos ao pézinho, garantidamente.
    PP

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