Por mais que canela e açafrão


O verão acorda o vento em São Marcos numa recorrência e coerência que o tornam muito próximo e familiar, uma verdadeira e contínua banda sonora dos meus serões neste tempo de calor.
Tenho a noção de que por estar sempre presente, às vezes já nem dou por ele. Mas também é certo que nalguma pausa me paro para o ouvir e seguir pela imaginação no decifrar de algo que me possa dizer.
Fico à janela a escutar o vento e a ver ao longe o mar.
Este ano o condomínio resolveu pintar o prédio, e assim, tenho por estes dias um andaime e panos opacos entre mim e o Atlântico. As persianas agradecidas por não sofrerem os costumeiros abanões estão devidamente corridas até ao máximo da escuridão, por segurança e porque há muito pó no ar.
E parece que só o vento, a melancia do jantar e o ar quente parecem querer oferecer coerência a este mês de Julho.
Ontem, sentado à noite no sofá ao lado da lareira, tomei do vento um painel de sons que agrupei em palavras que tivessem nexo.
Adamastor ou Mostrengo, como respectivamente para Camões ou Pessoa, sonhei-o monstro mas tomei-lhe das tormentas a fé que restaura a boa esperança.
As palavras.
E vi o mar, não porque ele me aparecesse à janela, mas porque o sonhei tão intensamente que o fiz real.
Tal qual como na vida.
Só, mas com uma caravela, “voei” para Calecute para muito mais do que apenas Canela ou Açafrão.
Voei para ti nas palavras de amor que escrevi.
Que venha o mundo e que sopre o vento, eu seguirei pela boa esperança e por onde nada a alma teme.
E a ver o mar.
  

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