Domingo

Gosto destas manhãs que dispensam o relógio e que nos deixam o despertar apenas à mercê do sol que de uma forma mais despudorada, ou então tímida, quando se esconde por detrás das nuvens, sempre nos dispensa uns raios de luz que penetram pelas frestas maiores ou menores das nossas janelas…
Tenho dificuldade em resistir ao “chamamento” do sol pela manhã.
Hoje, não tenho quaisquer outros compromissos, senão apenas este saborear de todos os minutos de um domingo, talvez em toda a semana, o dia por excelência e o maior fornecedor de “momentos gourmet”.
E por mais domingos que passem e mais locais que visite, o meu domingo terá sempre aquele cheiro de Alentejo quando ao chegar à cozinha para o pequeno-almoço com o “brinhol” que a mãe comprou cedo no mercado à nossa prima Hermenegilda, quando regressava da missa da Misericórdia, as carnes já cozem ao lume para que mais tarde ao almoço e com a bênção de um ramo de hortelã junto aos pedaços de pão se possam fazer umas apetitosas “Sopas da Panela”, antecâmara da canja que nos fará companhia mais tarde quando chegar a hora do jantar.
Hoje, estes cheiros, só na memória que nunca se apaga.
Sou dono do meu tempo e dispenso o GPS quando agarro o volante e me faço a sul pela auto-estrada quase deserta e, rio a rio: Douro, Vouga, Mondego… quase como se de uma corrida de barreiras se tratasse, acabarei por chegar e ver Lisboa.
O som do rádio não me interessa, nem quando repete as notícias que para mim já o não são pois ouvi-as logo pela manhã; nenhum CD dos que tenho no carro me agrada, e escolho por isso o silêncio que me põe os pensamentos à mercê do que a berma do caminho me reserva.
Às vezes o pensamento impõe-me que cante:
“Minha raiz de pinho verde, meu céu azul tocando a serra…”
E na “desfolhada” deste caminho beneficiando do impulso das letras de Ary, em breve chegarei à Serra de Aire, imponente no verde da urze, e entretenho-me contando histórias que dão forma e nome às sombras que as nuvens impõem sobre ela: um pastor, um lobo…
Um pouco antes, em Fátima, também veio do Céu a inspiração, mas por via da fé e rezo uma Ave-Maria.
Mais tarde, já pela noite, nos Jerónimos continuarei a rezar.
Paro para tomar um café na Área de Serviço quase vazia de gente. Estou eu e um grupo de quatro pessoas muito mais novas e que por certo vão atrasadas para algo, são a personificação do stress, verdadeira contra-natura num dia assim.
Não vejo Lisboa mas vejo o Atlântico na zona de Oeiras quando já me preparo para chegar a casa.
As nuvens oferecem ao mar uma raríssima e fantástica palete de tons cinza e prata.
Azul, só na memória de um olhar.
A casa espera-me mas eu atraiçoo-a rapidamente pegando no meu cachecol sempre guardado no Altar Benfica aqui do escritório e rumando ao Estádio da Luz.
Preciso gritar golo… ou se não houver golos, pelo menos praguejar contra o árbitro.
Vou pelo IC19…
Que bom haver domingos, para tudo e para que a semana nos possa devolver a nós próprios.

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