Aquele nosso instante de onde emergiu a insuficiência da palavra amor


O sol não resiste e tenta espreitar por entre nós. Sentimo-lo persistente a bater-nos nas costas, mas os nossos braços teceram uma concha perfeita enquanto nos sentamos nas escadas do cais e escutamos o discreto bater das ondas do rio.
A intensidade deste abraço oferece-me generosamente o ritmo calmo do teu respirar, do teu coração; e eu deixo de poder distingui-lo do meu… e também do Tejo.
Batem os três a um ritmo só e afinado que ninguém, nem o homem que toca guitarra ali tão perto, nem os turistas que gritam descalços tirando fotos, e nem o sol do fim da tarde, conseguem desassossegar.
Leio-te uma carta de amor, falamos das nossas peles que se sossegam uma à outra, da paz que tomou os nossos dias e do futuro inundado pela alegria deste querer.
Quem inventou as palavras esqueceu-se que um dia estaríamos aqui sentados os três, eu, tu e o rio, e que amor é pouco, muito pouco e demasiado banal para o tanto e para o especial daquilo que este instante nos oferece viver.
Depois, pela perseverança do astro-rei, acabamos por ceder, olhamos para trás e sem desmanchar o abraço, fazemos uma foto.
Olho-a agora enquanto escrevo.
Estamos os três vestidos de azul e a forma como enfrentamos o sol denuncia que definitivamente sentimos este momento como um privilégio.
A alma sorri ao ritmo de um só coração naquele ser perfeito que permanece órfão de nome, mas a que sempre poderemos chamar muito mais que amor.
Já passa da meia-noite e eu tirei o som à televisão para poder ouvir o discreto bater das ondas do Tejo enquanto escrevo.

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