Conta-me como foram… as férias

No final dos anos setenta, no tempo em que a televisão trazia na Quarta-feira à noite, o “Vamos jogar no Totobola”, e na hora de almoço de domingo, o “TV Rural”, havia sempre um serão da semana em que não dispensávamos os “Jogos sem Fronteiras” apresentados pelo Eládio Clímaco e pelo Fialho Gouveia, torcendo para que a equipa Portuguesa, de uma cidade ou vila algures no continente ou ilhas, pudesse trazer o troféu fazendo boa figura no jogo da aposta do Joker e no “Fil Rouge”, que davam pontos a dobrar, pontos sempre contabilizados pelos árbitros Gennaro Olivieri e Guido Pancaldi, que conhecíamos como se fossem da família e usavam casacos indiscretos à moda do Goucha.
O mês de Agosto, um dos quatro que compunham as férias então legitimamente chamadas de “grandes”, trazia-me a oportunidade de mudar para casa dos meus tios em Lisboa e com eles apanhar o comboio na estação de Belém com destino a Santo Amaro de Oeiras, Parede ou Carcavelos. Nós, e Lisboa inteira, dada a dificuldade em encontrar espaço nas carruagens cheias que nem um ovo, onde entravamos depois de minutos de espera no cais onde o relógio tinha ponteiros e dava a hora certa, e onde existia sempre um aparelho com tampa, pedal e aspecto semelhante ao de um cinzeiro de pé mas que se destinava às cuspidelas dos passageiros. No Alentejo davam o nome de “escarrador” a este prodígio da higiene em espaço público.
Levávamos um chapéu para nos protegermos do sol que antes tínhamos comprado no “Sol de Algés”, nos Armazéns do Chiado, no Grandela, no Eduardo Martins ou no “Conde Barão”, uma geleira com sandes de fiambre, marmelada ou outras compotas feitas em casa, todas a rechear pão de carcaça comprado de manhã, não faltando a bebida transportada numa garrafa e que em geral consistia em refrescos feitos em casa, os refrescos em pó “Dawa”, que eram comprados em pequenos pacotes siameses, ou os refrescos feitos a partir de xarope de groselha. O refresco de café preparado com muito limão era também uma boa opção.
A mini da Sagres ou da Cergal também vinha habitualmente na lancheira.
Ao chegarmos ao areal já sabíamos que os amigos nos esperavam junto à Bola da Nivea, um insuflável gigante colocado no cimo de uma torre de madeira, e Nivea era afinal o creme a que éramos fiéis e que espalhávamos pelo corpo com um intuito de bronzeador mais do que de protector. O buraco do ozono ainda não tinha sido aberto.
Só a chegada do Ambre Solaire com a promessa da cenoura e do coco nos porem mais escuros e com tom tropical, matou esta cega fidelidade à marca de Hamburgo sempre embalada em caixas de cor azul.
No areal liam-se os jornais da época, com “O Século” e o “Diário de Notícias” à cabeça, e as revistas que poderiam ser a “Tele Semana”, a “Crónica Feminina”, a “Plateia”, a “Flama”, o “Século Ilustrado” ou a “Gente” ainda antes de ter o prefixo “Nova”.
“A Bola”, o “Record” e o “Mundo Desportivo” eram leitura de homens e só saiam três vezes por semana.
As senhoras poderiam optar também pelas Fotonovelas, versões impressas das homónimas da TVI que hoje são top de audiência nos serões da televisão e que tinham nomes como “Corin Tellado”, ou optar então pela “Ela – Donas de Casa” com os seus conselhos fantásticos para cozinhar e tirar nódoas, o que oferecia sempre um ar mais prendado à leitora.
Para os rapazes havia histórias aos quadradinhos com os personagens da Disney a falarem Português com sotaque do Brasil, ou então banda desenhada de índios e cowboys vendida de forma avulsa em pequenos fascículos.
Na antecâmara das “Bolas de Berlim” havia vendedores de gelados, “Olá” ou “Rajá” que os transportavam em geleiras gigantes de pôr ao ombro e que invariavelmente gritavam: “Há frutó’ escolateee”.
De vez em quando também passavam os vendedores de barquilhos ou então umas senhoras que transportavam enormes cestos de verga e vendiam bolos preparados por elas no domicílio e que aqui se encontravam cobertos por umas cortinas de renda de cor branca.
Tomávamos banho de mar com o privilégio da cumplicidade do Farol do Bugio, secávamo-nos ao sol e não tardávamos a regressar a casa para um duche, o almoço ligeiro e a inevitável sesta.
Quando a tarde naturalmente nos acordasse, preparávamo-nos, apanhávamos um autocarro ou o eléctrico, e íamos dar um passeio á Baixa. Quando a opção recaía no 32, um autocarro verde de dois pisos e em que eu optava sempre pelo de cima, o destino era muitas vezes Entrecampos e a “Feira Popular” onde havia sardinhas e frango assado para o jantar, uma fartura para sobremesa e uma volta no Carrossel Oito ou no Comboio Fantasma para que a emoção ajudasse à digestão.
O tio Lucas sabia sempre a hora do último autocarro para que não tivéssemos surpresas no regresso a casa. Havia que dormir pois o amanhecer traria de novo a praia no cumprir de um doce e especial ciclo de dias muito especiais: as férias.
Hoje, primeiro dia das minhas férias de 2013, vi o Tejo pelas janelas do Palácio da Ajuda no regresso à arte da Joana Vasconcelos, e deixei apenas que a memória se soltasse.

Comentários

  1. Mais uma vês parabéns Francisco, pela escrita doce e escorreita referente aos dias de férias nos bons tempos de menino. Como me recorda a minha adolescência ..... basta substituir Santo Amaro de Oeiras por Figueira da Foz. Boas férias.

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