Descanso, beleza e juventude

Também conhecida por Via Nova ou Via XVIII do Itinerário de Antonino, a Geira era uma estrada romana que ligava duas importantes povoações do império, Bracara Augusta, a actual Braga, e Asturica Augusta, hoje a cidade espanhola de Astorga, numa extensão superior a trezentos quilómetros.
Cruzando esta via o Gerês, fica provado que o meu poiso de férias deste ano só é inédito na minha história porque na da humanidade já consta há um bem contado par de milénios.
Não foi pela Geira que obviamente cheguei aqui no passado domingo. Por estradas nacionais e municipais, em slalom entre romarias, procissões e bandas de música, passando por debaixo de milhares de garridos arcos de arraial espalhados por aldeias e lugares com nomes impronunciáveis e difíceis de fixar, e entre alas de carros oriundos de três nacionalidades (em igual proporção: Portugal, França e Suíça), ao som de todo o tipo de música pimba; cheguei e rapidamente me dei conta que entre montanhas de verde e granito havia um pedaço de paraíso à minha espera e que estava escrito nas estrelas que eu um dia teria de vir cá parar.
Após esta constatação, a seguinte teve a ver com o facto da presença dos meus 47 anos ter reduzido imediatamente a média etária dos presentes neste local aí nuns 10 anos. Posso não encontrar aqui o elixir da eterna juventude, mas pelo menos enquanto cá estiver vou sentir-me definitivamente um garboso jovem.
De qualquer forma e para não desperdiçar quaisquer chances de acréscimo de beleza e juventude, algo a acrescentar ao já garantido descanso, não me atrasei, e Segunda-feira logo de manhã fui até às Termas para uma consulta médica e para me inscrever nas actividades disponíveis.
Fui eu e foram quatro senhoras que por já estarem a ser atendidas, me obrigaram a uma espera de meia-hora. Hesitaram entre todos os programas e acabaram por se inscrever em massagens feitas com pedras aquecidas. Pela constatação da “beleza” das quatro, e com o alto patrocínio do tempo que me obrigaram a esperar, apeteceu-me dizer-lhes que nem todas as pedras das calçadas de Lisboa, devidamente aquecidas, as poderiam ajudar a ficar um pouco mais jeitosas. É que, verdadeiros milagres, só mesmo em Fátima.
Atrás de mim no infortúnio desta fila estacionou um casal em que a senhora vista de longe parecia ter na cabeça um garrido lenço minhoto em tons de vermelho mas que de perto nos oferecia a hipótese de observarmos o cabelo cor de sangue mais mal pintado do universo num estilo que quase denuncia o roubo das tintas destinadas aos cartazes da Festa do Avante. Em tom relativamente alto, a “red head woman” conversou o tempo todo com o marido no melhor Francês com pronúncia de Mondim de Basto que alguma vez ouvi na vida.
Entretanto a versão celulite das Doce saiu finalmente do balcão para meu alívio (e da funcionária), e eu lá fui então atendido.
Depois da avaliação do peso, da altura, do sempre considerável perímetro abdominal e da pressão arterial, depois de um questionário muito exaustivo (e despudorado) sobre todo o meu estado geral de saúde em aspectos íntimos e outros de natureza mais “pública”, fiquei a saber que após a ingestão de copos de água (a vingança das minhas colegas após as minhas constantes referências à crónica toma de “drenantes” quando a chegada do bikini as põe as querer perder volume), das idas à piscina, do descanso e da dieta de “termalista” que o hotel me vai aplicar, fico com hipóteses de sair daqui no dia 15 de Agosto com algo mais em comum com o George Clooney, do que apenas e só uma máquina da Nespresso.
E não sei o que pensarão disto as minhas quatro “amigas” das massagens das pedras quentes?
Talvez me ofereçam boleia até Fátima.
Para já, gozo de um prazer enorme ao respirar um ar fresco e super saudável à sombra desta imensidão de árvores e nas cumplicidades das montanhas de granito com que delicio o olhar, os pássaros do parque e o soluçar da água da ribeira são aditivos sonoros fantásticos para as leituras e para as escritas, dispensei o relógio e todas as horas são ideais para uma boa conversa com os meus pais, os mapas dos trilhos da natureza e da história já estão devidamente desdobrados e… as “questões” do dia-a-dia, aqueles assuntos menos agradáveis que todos temos, parecem estar a diminuir de importância e virulência. É uma espécie de LSD (Leitura, Sossego e Descanso) a que agradavelmente se junta o E (Escrita).
Depois, a dieta até não é nada má e apesar da maioria absoluta que os anos de cidade têm no meu Curriculum Vitae, eu sou definitivamente um “rapaz do campo”, um pouco ao jeito da Ivette Marize, esteticista diplomada que o Herman criou nos idos de noventa, e que para além de ter nascido no campo, de lá se ter feito moça, tinha perdido a sua inocência num monte de feno.
Vão portanto bem as férias e “está-se bem” nas bermas da Geira até porque os romanos nestas coisas da beleza, da juventude e do descanso, não eram meninos de se ficar por pouco.

Comentários

  1. Muito interessante a narrativa da incursão no Minho granítico e verde, das romarias de verão e das termas. Boas férias.

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